terça-feira, 26 de maio de 2015

Kátharsis

Frente a uma plateia cheia no Rivoli que contava com Ramalho Eanes, Sampaio da Nóvoa prometeu no Porto que, a ser eleito Presidente da República, será “prudente e rigoroso no uso dos poderes” e que não fará da “omissão [o seu] estilo, da ausência um método, do silêncio um resguardo". Sampaio da Nóvoa promete ser a matéria para a antimatéria de Cavaco Silva. Não contem pois com o ex-reitor para segurar em bacalhaus em visitas oficiais à Noruega. Sampaio da Nóvoa parece não ter concorrência neste momento. A bancada da direita ainda não produziu qualquer candidato. É expectável que a coligação de Governo apresente o seu braço forte até às Legislativas, mas até lá Sampaio da Nóvoa vai ganhando terreno, desbravando e lavrando calmamente apoios e elogios. No Rivoli, deixou cinco importantes compromissos: [1] promoção de uma nova visão geoestratégica de Portugal, [2] empenho na construção europeia, sem austeridade e medidas que retirem soberania sem a realização de um referendo, [3] definição de uma estratégia de valorização dos jovens que permita injectar vitalidade na economia e na criação de riqueza, [4] luta pelo Estado social, contra a pobreza e as desigualdades e [5] garantia do normal funcionamento das instituições democráticas. Sampaio da Nóvoa não será um Presidente passivo. Está pronto para a luta. Só precisa de um adversário, que poderá ser Rui Rio… ou Marcelo Rebelo de Sousa… ou Pedro Santana Lopes... ou nenhum destes. Não é a principal preocupação da coligação neste momento.

A preocupação da coligação é a venda da TAP e o eterno desejo de revisão constitucional. Maria Luís Albuquerque sugere que uma reforma da Segurança Social só será possível com uma revisão constitucional. Não vale a pena cortar pensões (600 milhões de uma só machadada) enquanto a Constituição Portuguesa continuar a limitá-las. Culpemos pois a Constituição por não permitir o empobrecimento generalizado. Maria Luís Albuquerque percebeu finalmente que o Tribunal Constitucional chumbará qualquer medida que contrarie os princípios constitucionais, como é suposto e essencial que o faça. Se Maomé não vai à montanha, a montanha vai até Maomé, adágio que se compagina inteiramente com a vontade da Ministra das Finanças. Do que não desiste o Governo é da privatização da TAP. O único investidor português na corrida, Miguel Pais do Amaral, foi afastado por não ter apresentado uma proposta vinculativa. Sobram os consórcios de David Neeleman (dono da Azul) e de Gérman Efromovich (dono da Avianca), o mesmo investidor que em 2012 esteve à beira de conseguir o negócio na primeira tentativa de privatização. Na altura faltaram meios financeiros adequados, agora já há a promessa de 38 novos aviões. Todavia, Gérman Efromovich nem precisará de se afligir muito com a entrega de novas asas. A retaliação O plano exigido pelo Governo para conter os custos da companhia aérea portuguesa provocados pela greve do Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil no início de Maio (cerca de 35 milhões de euros) poderá passar por suprimir rotas, reduzir pessoal e despesas com horas extraordinárias. O negócio poderá ficar uma pechincha para David Neeleman ou para Gérman Efromovich. As reuniões entre o Governo e os investidores arrancam amanhã. Entrevistado pelo Jornal de Negócios, Miguel Pais do Amaral considera que o calendário eleitoral poderá não permitir qualquer vencedor, a não ser que o Governo esteja disposto a fazer cedências para acelerar o processo. Parece já ter começado de facto…      
    
Enquanto o Governo português permite cedências para acelerar algo que não é propriamente urgente ou necessário, o Governo grego, numa situação bem mais urgente – 1,6 mil milhões de euros vencem já no mês de Junho –, recusa-se a fazer cedências. Recusa-se sobretudo a aceitar qualquer forma de austeridade. O Ministro das Finanças Yanis Varoufakis já avisou que a Grécia não aceitará uma cura que é provadamente pior do que a doença. O FMI alertou que não há outro remédio disponível. O bloqueio continua, mas é provável que a Grécia, sem mais apoios e por necessidade extrema, seja vencida. Uma tragédia grega que não conhecerá qualquer catarse. Catarse como a que aconteceu em Espanha durante o fim-de-semana. As eleições autonómicas e municipais mostram um país em entropia política em que os partidos do eixo governamental enfrentam uma crise geracional e os novos partidos, alicerçados em movimentos de cidadãos, lutam para ganhar expressão. É o fim do bipartismo, mas não é em todo o lodo. No Reino Unido, David Cameron venceu as eleições de forma inesperada e expressiva. É já um caso atípico no panorama político europeu. David Cameron receia contágio e deixou o aviso de que referendará nos próximos anos a continuação na europa comunitária. Em resposta, Angela Merkel e François Hollande acordaram propor uma maior integração dos países do euro, mas sem reabrir os tratados da União Europeia, contrariando a vontade do reconduzido primeiro-ministro britânico.

Procura-se uma catarse europeia para as várias tragédias – gregas, e não só – que ameaçam o sonho europeu. Em Portugal, procura-se uma catarse para os casos de violência que têm assolado a sociedade nas últimas semanas, os distúrbios em Guimarães e o horrível assassinato em Salvaterra de Magos à cabeça. Que a PSP já não beneficiava da confiança de grande franja da população era mais do que sabido. A desmedida actuação do subcomissário da PSP de Guimarães após o jogo de futebol que deu o título de campeão ao Benfica fez pouco para inverter a ideia, revigorando na verdade o estereótipo de que os profissionais da PSP são pessoas mal formadas à procura de coagir e de exercer o seu poder. Não, não são todos assim. Mas paga o justo pelo pecador e em Portugal talvez não se ame tanto um adágio como este. O caso de Salvaterra de Magos junta-se à consideravelmente extensa lista de casos recentes que têm indicado um nível de crime bastante alto no país. A nossa percepção desse nível é pelo menos maior, seja pelo mediatismo ou pela violência dos actos. A crise já não serve de pretexto para o aumento da incidência de crimes. Quando jovens tiram vida a outros jovens – e não só –, algo de muito errado está a acontecer na sociedade. É mais do que uma tragédia. É uma calamidade, sem catarse possível.


Calamidade é igualmente a provável destruição da histórica cidade de Palmira, na Síria. Classificadas como Património Mundial da UNESCO, as ruínas arqueológicas com mais de dois mil anos conheceram e resistiram a diferentes civilizações, da helénica à romana e à bizantina, e guardam importantes etapas da História. Agora no controlo do Estado Islâmico, Palmira não deverá sobreviver. Diz muito do estado das coisas. Dois mil anos depois, a provável queda de Palmira mostra que a humanidade evoluiu pouco e que se encontra muito longe de qualquer espécie de iluminação ou transcendência. Muito menos quando continuamos a perder mentes brilhantes. O último foi John Nash, brilhante matemático norte-americano que mudou a economia com a sua Teoria dos Jogos, teoria que mostrou que ambas as partes numa negociação ganham mais do que perdem quando procuram um consenso  – o ponto de equilíbrio – em vez da uma solução individual. Infelizmente, continuamos a procurar soluções que são óptimas para nós e a ignorar soluções que são globalmente favoráveis para todos. Aristóteles teorizou que para se atingir a catarse é primeiro preciso passar-se da felicidade para a infelicidade. A Teoria dos Jogos segue um princípio semelhante para se atingir o ponto de equilíbrio. O pior é que já estamos na infelicidade há tanto tempo que parece já certo que não haverá qualquer catarse ou ponto de equilíbrio. Para a TAP. Para as pensões. Para a Grécia. Para a PSP. Para a Palmira. Para tanta coisa.


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