Pintemos as cores da TAP
de azul. Na semana em que se comemorou o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades
Portuguesas, livremo-nos do verde e vermelho da nossa bandeira! É como se
voltássemos à monarquia. E quanto custa? Uns meros 10 milhões de euros. Soubesse-mos
atempadamente que 61% da TAP custava tão pouco e haveria potencialmente um
conjunto alargado de compradores portugueses, nem que fossem apenas vencedores
do Euromihões (já temos vários no nosso país). Afinal, a privatização que
serviria para reduzir a dívida portuguesa (actualmente de aproximadamente 226,276
mil milhões de euros) redundou-se numa nano-redução percentualmente
insignificante. Só para se ter uma noção, é uma percentagem ainda menor que a
probabilidade de ganhar o Euromilhões. Aliás, se a chave premiada do sorteio de
hoje for registada em Portugal, o Governo arrecada automaticamente 25 milhões
de euros em impostos, o que corresponde a 2,5 vezes o valor pelo que a TAP foi
entregue a David Neeleman. É certo que David Neeleman (aliado a Humberto
Pedrosa para contornar a proibição europeia de, por ser estrangeiro, deter individualmente
mais de 50% do capital) se compromete a capitalizar a TAP até 488 milhões de
euros e que o Governo preferiu uma solução que garante liquidez à companhia
aérea a arrecadar uma receita significante. Todavia, o capital que David Neeleman
promete alivia muito pouco e mal atira a TAP para fora da falência técnica. Por
outro lado, não há também garantias de que o investidor americano nascido no
Brasil respeite o caderno de encargos que subscreveu, onde está previsto que partilhe
10% dos lucros – quando um dia os houver – com os cerca de 13 mil funcionários da
TAP e que reforce a frota com 53 novos aviões. Falta agora que as autoridades
nacionais e europeias de concorrência dêem luz verde à operação. Não há um
prazo definido para que o façam, mas o Governo quer que sejam francamente
céleres. Há legislativas à porta e se a recém-nomeada Coligação Portugal à
Frente não vencer e a operação da TAP não estiver concluída, é provável que
tudo volte à estaca zero… e que a TAP volte a ser verde e vermelha.
Podemos pelo menos contar que David Neeleman servirá
amendoins num voo da TAP, como gosta de fazer de vez em quando na Azul. A
servir “peaners”, como diria Jorge Jesus no célebre inglês que agora reina em
Alvalade, onde também reina uma sanguinolência laboral semelhante à que cobre o
país de uma ponta à outra. Para criar o espaço para o improvável reino de Jorge
Jesus em Alvalade, o presidente dos leões despediu o treinador Marco Silva,
fresco da sua vitória sofrida na Taça de Portugal (o primeiro troféu do clube
do Sporting em 7 anos), sem qualquer consideração, comiseração e compreensão,
alegando uma justa causa que não tem nem pés nem cabeça para evitar pagar a
devida indemnização (Marco Silva ainda tinha três anos de contrato). A atitude
de Bruno de Carvalho compagina-se com a atitude do patronato português e do
estado generalizado do nosso mercado de trabalho, onde proliferam estágios e
estagiozinhos, empregos a termo incerto e recibos verdes não retribuídos que
dariam para inverter o défice português. Basta uma visita rápida ao blogue Ganhem Vergonha para nos depararmos com
um ror de anúncios de emprego falaciosos, mentirosos e oportunistas dirigidos
maioritariamente a jovens. Em Portugal despede-se como se quer, contornando
leis e bom senso; contrata-se como se quer, oferendo estágios a candidatos com experiência
e trabalho gratuito a troca de acumulação de experiência (a mesma que posteriormente
dá acesso a um estágio profissionalizante). Ninguém parecia muito atento a
isto. Momentaneamente, Marco Silva mudou o status
quo e provocou uma epifania colectiva na opinião pública. Até Pires de Lima
pediu ao Sporting que tratasse Marco Silva com a dignidade que merece, ao que
Bruno de Carvalho instou o ministro da Economia a preocupar-se com as suas
taxas e taxinhas e a concentrar-se nos problemas do país. Pires de Lima passou
de verde a vermelho num instante.
De verde a cada vez mais vermelho estão as
negociações da Grécia com os credores internacionais. O FMI já abandonou as
conversações, entendendo que a ponte que separa as pretensões gregas da vontade
dos credores é cada vez mais longa. O Grexit poderá estar iminente. De verde a
vermelho também passou Joseph Blatter. Pressionado pelas investigações e pelas
detenções do FBI a vários dirigentes do organismo mundial de futebol, o
presidente da FIFA renunciou ao cargo apenas 4 dias após o livre
sufrágio que o reconduziu ao quinto mandato consecutivo. Os Mundiais de 2018 na
Rússia e de 2022 no Qatar poderão estar em dúvida por suspeita de fraude; a
escolha do país anfitrião para o Mundial de 2026 foi já suspensa. Num desporto
que move centenas de milhões, a longa suspeita de corrupção materializou-se
finalmente para surpresa de poucos, ou de nenhuns. Talvez somente para o
espanto de Joseph Blatter, que realmente pensava que tinha todos os cordelinhos
sob o seu controlo. Foi do verde ao vermelho em poucos dias (na verdade, ainda
ficará pela liderança da FIFA até pelo menos Dezembro, quando se realizarem as
novas eleições). Nas suas veias já não corre o sangue azul do futebol. Quem
também perdeu sangue azul foi a Infanta Cristina de Espanha, irmã do rei Filipe
VI. O título de Duquesa de Palma de Maiorca foi revogado por Decreto Real na
sequência da suspeita de cooperação no escândalo de corrupção e fraude fiscal
que envolveu o seu marido. Agora é só Cristiana, como o nome da revista da
apresentadora portuguesa da TVI onde Ricardo Quaresma apareceu sem roupa, nem
sequer uma pulseira à vista, dando azo a inúmeras montagens que incluíram a troca
milionária de Jorge Jesus do Benfica para o Sporting.
Sem pulseira e em Évora continua José Sócrates. Após
o Ministério Público ter sugerido que a medida de coacção aplicada ao
ex-Primeiro Ministro passasse da prisão preventiva para prisão domiciliária com
recurso a pulseira electrónica, José Sócrates fez o juiz Carlos Alexandre saber
que se recusaria a usar qualquer dispositivo de localização, uma decisão
alegadamente inédita em Portugal. A decisão de José Sócrates fez alguma
confusão, mas a sua lógica até que é simples de compreender. Considerando-se
inocente, José Sócrates não quer nenhuma benesse daqueles que o colocaram na
prisão, mas tão-somente a liberdade total e completa que considera merecer.
Aceitar qualquer alívio na sua medida de coacção poderia ser interpretado como
algum consentimento de culpa e de fraqueza e José Sócrates, agora e sempre, não
quer que ninguém pense sobre si outra coisa para além daquilo que quer que
pensem sobre si. Permanecendo em Évora, mantém a vitimização da sua personagem
e fortifica a martirização do seu nome. O juiz Carlos Alexandre não esteve com
meias medidas, passou rapidamente do verde ao vermelho e deliberou a
permanência da medida de coacção, alegando que permanece o risco de perturbação
do inquérito e da recolha e conservação da prova, bem como o risco de fuga. António
Costa e Pedro Passos Coelho, azulados de cianose, respiraram de alívio: José
Sócrates não terá meios à disposição para perturbar a sua campanha às
Legislativas. Entretanto, outros passaram novamente a azul. Strauss-Kahn foi absolvido
no julgamento por proxenetismo e disse no tribunal que precisava de festas
sexuais porque estava sob pressão a tentar "salvar o mundo" da pior
crise financeira. Palavra de honra do antigo director do FMI. Já alertava o lendário
Sir Christopher Lee, eterno Saruman e Conde Drácula, que o mundo estava cheio
de vampiros. Referia-se à indústria do cinema, mas a sua observação é ainda
mais universal do que pensava. Há vampiros por todo o lado e não escolhem a cor
do sangue.
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