A Páscoa veio e já foi e o Mestre morreu. Manoel
de Oliveira ressuscitou. Ressuscitou na mente dos portugueses. Lembrámo-nos que
existia, que já existiu e que a sua obra é afinal imortal. Manoel de Oliveira dava
ideia para muitos que seria o primeiro homem a não morrer. Até ao seu último
fôlego respirou trabalho, uma enorme vontade de continuar a rodar, de continuar
a contar histórias, de eternizar a sua visão das coisas, do mundo e da vida.
Fê-lo até ao último instante. E no último instante deixou de ser o homem para
ser a obra, para se perpetuar como o ex-líbris do cinema português. O Mestre
ressuscitou. No mesmo dia em que se eternizou, decorreu em Lisboa mais uma edição
dos Prémios Sophia, os galardões atribuídos anualmente pela Academia Portuguesa
de Cinema, pela primeira vez com transmissão televisiva em directo. Os prémios
cresceram em dimensão, mas permanecem insignificantes, premiando filmes que
pouco dizem ou traduzem da arte portuguesa de fazer cinema. O filme vencedor da
noite, Os Gatos não têm Vertigens, de António-Pedro Vasconcelos, é um exemplo
do estado actual do cinema português, pontuado por um estilo telefilme que
pouco encanta. E não foi exactamente por falta de fortes e meritórios candidatos.
Os Maias - Cenas da Vida Romântica estava por entre os nomeados e o melhor que
conseguiu foram alguns prémios técnicos. Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa, vencedor
de vários prémios internacionais e considerado pela revista britânica de cinema
Sight & Sound como um dos filmes
do ano, não teve sequer uma única nomeação. O Mestre ressuscitou, mas o cinema
português continua crucificado.
No dia em que morreu, várias foram as vozes a
pedir que Manoel de Oliveira recebesse honras de Panteão Nacional. Tomara o
Panteão Nacional merecesse Manoel de Oliveira. O Mestre ressuscitou e o Panteão
Nacional está cada vez mais morto. Perdeu sentido, perdeu valor. Diz o n.º 1 do
artigo 2.º da Lei n.º 28/2000, de 29 de Novembro, alterada pela Lei n.º
35/2003, de 22 de Agosto, que o Panteão Nacional se destina a homenagear e a
perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços
prestados ao País, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços
militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica
e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da
pessoa humana e da causa da liberdade. O critério é vago e por ser vago põe-se
a jeito de incorrectas interpretações e utilizações. A distinção de um alto
português não deve nunca ser feita pela geração que partilhou a vida, mas pela
que apenas partilhou a morte, uma, duas ou três gerações à frente, gerações que
já não se agarram à ligação emocional mas à memória e ao sentido e lugar de tal
português na história do país. A decisão de transladar Eusébio da Silva Ferreira,
por exemplo, é um caso em que o populismo e o aproveitamento político agiram
sobre o bom senso. Não digo que Eusébio não mereça honras de Panteão Nacional.
Digo apenas que não as merece já. Que não devemos ser nós a decidi-lo. Se ainda
importar para os portugueses lá da frente, de tempos outros, o seu lugar na
história é incontestável. Esse é o verdadeiro teste do tempo. A verdadeira eternização
do homem e da sua obra. Nem a canonização católica é feita sem se mediarem
alguns anos.
A semana da Páscoa foi feita de muitas ressurreições.
Na Madeira, Miguel Albuquerque viu a sua maioria absoluta morrer após uma
recontagem dos votos, apenas para vê-la ressuscitada nem 2 horas depois. A Bíblia
diz que Jesus Cristo demorou dois dias a ressuscitar. Se a medida de qualidade
for o tempo para a ressurreição, Miguel Albuquerque é o novo messias. A Madeira
bem que precisa de um. Com uma taxa de desemprego de cerca de 15%, uma dívida
de cerca de 7,5 mil milhões e uma taxa de pobreza elevada, é preciso algo parecido
com um milagre. Não foi um milagre a ressuscitar a maioria de Albuquerque. Tratou-se
de um erro na inserção da recontagem no sistema informático. Os votos do Porto
Santo ficaram inicialmente de fora, bem à imagem daquela pequena ilha nas decisões
do arquipélago. Albuquerque nunca mais se esquecerá do Porto Santo. Do seu
porto santo. Milagroso. Milagroso como Cristiano Ronaldo, que ontem ressuscitou
em apenas 9 minutos, ultrapassou Messi na contagem pessoal e deu a ideia de que
o Real Madrid ainda tem vida. Em apenas um jogo, o madeirense marcou 5 golos e
silenciou todos os Barrabás da sua vida, e de Madrid. Pedro Passos Coelho
precisa que também lhe silenciassem o seu Barrabás, mas não é craque para os
números como o CR7 é para a bola. A taxa de desemprego de Portugal voltou a
subir em Fevereiro, pelo quarto mês consecutivo, para 14,1%. O INE reviu o
número em alta e Passos não percebe porquê. Em ano de eleições legislativas,
não percebe como é que não lhe chega nenhuma ajudinha. Quem semeia ventos,
colhe tempestades, e Passos tem vindo a semear muita coisa desde que chegou ao
Palácio da Ajuda.
A maior ressurreição da semana foi porventura
Barack Obama. O Nobel da Paz justificou finalmente porque é que recebeu tão
excelsa distinção. Afinal, Obama conseguiu mesmo um pré-acordo com o Irão que,
a correr bem, impedirá o país islâmico de fabricar armas nucleares. Ainda está
tudo muito tremido e a depender de alinhamentos e pormenores, mas o Irão parece
finalmente virado de frente para o mundo. Primeiro Cuba, depois o Irão. No
panorama internacional, Obama está finalmente a cumprir a expectativa criada.
Pena ter chegado já tão em cima do fim do seu último mandato. O Comité Nobel Norueguês
respirou de alívio. Canelas também respira de alívio. O padre Roberto voltou e juntou-se
a 400 paroquianos para um convívio pascal. Ainda não ressuscitou completamente,
mas está mais perto. A Al-Qaeda também parece intencionada em ressuscitar. O
grupo terrorista Al-Shabaab, com ligações ao grupo islâmico, atacou a
Universidade de Garissa no Quénia durante 16 horas na passada quinta-feira e
fez 148 mortos, dos quais 142 eram estudantes. Um dos atacantes era um jovem
queniano de etnia somali e diplomado pela Faculdade de Direito de Nairobi,
filho de um dirigente político queniano, descrito por quem o conhecia como um
futuro jurista brilhante. Quantas vezes já ouvimos? Jovens com futuros promissores
que comentem atentados, que se juntam a grupos extremistas e terroristas, que se
revelam autênticos monstros. Quantas vezes voltaremos a ouvir? Talvez o
problema esteja efectivamente na sociedade que puxa estes jovens até ao limite,
até ao abismo da sua própria humanidade, e não lhes dá hipótese de ressurreição.
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