segunda-feira, 6 de abril de 2015

Ressurreições

A Páscoa veio e já foi e o Mestre morreu. Manoel de Oliveira ressuscitou. Ressuscitou na mente dos portugueses. Lembrámo-nos que existia, que já existiu e que a sua obra é afinal imortal. Manoel de Oliveira dava ideia para muitos que seria o primeiro homem a não morrer. Até ao seu último fôlego respirou trabalho, uma enorme vontade de continuar a rodar, de continuar a contar histórias, de eternizar a sua visão das coisas, do mundo e da vida. Fê-lo até ao último instante. E no último instante deixou de ser o homem para ser a obra, para se perpetuar como o ex-líbris do cinema português. O Mestre ressuscitou. No mesmo dia em que se eternizou, decorreu em Lisboa mais uma edição dos Prémios Sophia, os galardões atribuídos anualmente pela Academia Portuguesa de Cinema, pela primeira vez com transmissão televisiva em directo. Os prémios cresceram em dimensão, mas permanecem insignificantes, premiando filmes que pouco dizem ou traduzem da arte portuguesa de fazer cinema. O filme vencedor da noite, Os Gatos não têm Vertigens, de António-Pedro Vasconcelos, é um exemplo do estado actual do cinema português, pontuado por um estilo telefilme que pouco encanta. E não foi exactamente por falta de fortes e meritórios candidatos. Os Maias - Cenas da Vida Romântica estava por entre os nomeados e o melhor que conseguiu foram alguns prémios técnicos. Cavalo Dinheiro, de Pedro Costa, vencedor de vários prémios internacionais e considerado pela revista britânica de cinema Sight & Sound como um dos filmes do ano, não teve sequer uma única nomeação. O Mestre ressuscitou, mas o cinema português continua crucificado.

No dia em que morreu, várias foram as vozes a pedir que Manoel de Oliveira recebesse honras de Panteão Nacional. Tomara o Panteão Nacional merecesse Manoel de Oliveira. O Mestre ressuscitou e o Panteão Nacional está cada vez mais morto. Perdeu sentido, perdeu valor. Diz o n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 28/2000, de 29 de Novembro, alterada pela Lei n.º 35/2003, de 22 de Agosto, que o Panteão Nacional se destina a homenagear e a perpetuar a memória dos cidadãos portugueses que se distinguiram por serviços prestados ao País, no exercício de altos cargos públicos, altos serviços militares, na expansão da cultura portuguesa, na criação literária, científica e artística ou na defesa dos valores da civilização, em prol da dignificação da pessoa humana e da causa da liberdade. O critério é vago e por ser vago põe-se a jeito de incorrectas interpretações e utilizações. A distinção de um alto português não deve nunca ser feita pela geração que partilhou a vida, mas pela que apenas partilhou a morte, uma, duas ou três gerações à frente, gerações que já não se agarram à ligação emocional mas à memória e ao sentido e lugar de tal português na história do país. A decisão de transladar Eusébio da Silva Ferreira, por exemplo, é um caso em que o populismo e o aproveitamento político agiram sobre o bom senso. Não digo que Eusébio não mereça honras de Panteão Nacional. Digo apenas que não as merece já. Que não devemos ser nós a decidi-lo. Se ainda importar para os portugueses lá da frente, de tempos outros, o seu lugar na história é incontestável. Esse é o verdadeiro teste do tempo. A verdadeira eternização do homem e da sua obra. Nem a canonização católica é feita sem se mediarem alguns anos.

A semana da Páscoa foi feita de muitas ressurreições. Na Madeira, Miguel Albuquerque viu a sua maioria absoluta morrer após uma recontagem dos votos, apenas para vê-la ressuscitada nem 2 horas depois. A Bíblia diz que Jesus Cristo demorou dois dias a ressuscitar. Se a medida de qualidade for o tempo para a ressurreição, Miguel Albuquerque é o novo messias. A Madeira bem que precisa de um. Com uma taxa de desemprego de cerca de 15%, uma dívida de cerca de 7,5 mil milhões e uma taxa de pobreza elevada, é preciso algo parecido com um milagre. Não foi um milagre a ressuscitar a maioria de Albuquerque. Tratou-se de um erro na inserção da recontagem no sistema informático. Os votos do Porto Santo ficaram inicialmente de fora, bem à imagem daquela pequena ilha nas decisões do arquipélago. Albuquerque nunca mais se esquecerá do Porto Santo. Do seu porto santo. Milagroso. Milagroso como Cristiano Ronaldo, que ontem ressuscitou em apenas 9 minutos, ultrapassou Messi na contagem pessoal e deu a ideia de que o Real Madrid ainda tem vida. Em apenas um jogo, o madeirense marcou 5 golos e silenciou todos os Barrabás da sua vida, e de Madrid. Pedro Passos Coelho precisa que também lhe silenciassem o seu Barrabás, mas não é craque para os números como o CR7 é para a bola. A taxa de desemprego de Portugal voltou a subir em Fevereiro, pelo quarto mês consecutivo, para 14,1%. O INE reviu o número em alta e Passos não percebe porquê. Em ano de eleições legislativas, não percebe como é que não lhe chega nenhuma ajudinha. Quem semeia ventos, colhe tempestades, e Passos tem vindo a semear muita coisa desde que chegou ao Palácio da Ajuda.  


A maior ressurreição da semana foi porventura Barack Obama. O Nobel da Paz justificou finalmente porque é que recebeu tão excelsa distinção. Afinal, Obama conseguiu mesmo um pré-acordo com o Irão que, a correr bem, impedirá o país islâmico de fabricar armas nucleares. Ainda está tudo muito tremido e a depender de alinhamentos e pormenores, mas o Irão parece finalmente virado de frente para o mundo. Primeiro Cuba, depois o Irão. No panorama internacional, Obama está finalmente a cumprir a expectativa criada. Pena ter chegado já tão em cima do fim do seu último mandato. O Comité Nobel Norueguês respirou de alívio. Canelas também respira de alívio. O padre Roberto voltou e juntou-se a 400 paroquianos para um convívio pascal. Ainda não ressuscitou completamente, mas está mais perto. A Al-Qaeda também parece intencionada em ressuscitar. O grupo terrorista Al-Shabaab, com ligações ao grupo islâmico, atacou a Universidade de Garissa no Quénia durante 16 horas na passada quinta-feira e fez 148 mortos, dos quais 142 eram estudantes. Um dos atacantes era um jovem queniano de etnia somali e diplomado pela Faculdade de Direito de Nairobi, filho de um dirigente político queniano, descrito por quem o conhecia como um futuro jurista brilhante. Quantas vezes já ouvimos? Jovens com futuros promissores que comentem atentados, que se juntam a grupos extremistas e terroristas, que se revelam autênticos monstros. Quantas vezes voltaremos a ouvir? Talvez o problema esteja efectivamente na sociedade que puxa estes jovens até ao limite, até ao abismo da sua própria humanidade, e não lhes dá hipótese de ressurreição.


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