segunda-feira, 20 de abril de 2015

À deriva

A mais recente, e ao mesmo tempo a maior, tragédia no Mediterrâneo voltou a colocar em evidência a indiferença e a impreparação da União Europeia com a imigração maciça do continente africano. Considerando a proliferação do Boko Haram, a progressiva violência do Estado Islâmico e o terrível contexto social, político e económico dos vários eixos africanos, não é de estranhar que se formem ondas de imigração com frequência diária para a Europa. As fronteiras europeias são normalmente rígidas e intransigentes. Ainda assim, a imigração continua sem condescendências, particularmente para países mediterrânicos como Itália e Espanha. Ao mesmo tempo que os líderes europeus enviam às redacções comunicados a reprovar os incontáveis actos terroristas do Boko Haram e do Daesh, ao mesmo tempo que colocam sob pressão o totalitarismo de Bashar al-Assad e de Robert Mugabe, é negado ao povo que vive diariamente sob a opressão de tais ditadores e grupos terroristas, e por quem os líderes expressam as suas maiores intenções, a entrada leal e legal no espaço – e no sonho (sim, também existe) – europeu. É negado a tal povo a possibilidade de entrar legitimamente na Europa e de, também legitimamente, dar um novo rumo à sua vida, à sua ascendência e à sua descendência. A entrada ilegal a que se obriga tal povo traz miséria e outros problemas socias para as portas da Europa. Rapidamente, estes imigrantes tornam-se num empecilho difícil de resolver e de parar. Muitas vezes, o Mediterrâneo toma conta do problema. Nos últimos 15 meses apenas, já deu conta de cerca de 5200 problemas. É uma forma crua de expor tais números. Mas é desta forma crua que a Europa tem vindo a resolver a questão. Ignorando. Desprezando. Marginalizando. Permitindo que se crie e fomente um negócio obscuro, clandestino, movido pela falta de escrúpulos de organizações mafiosas que se apoderam do pouco que os imigrantes têm com falsas promessas de um el-dourado europeu (quando não se apoderam também das suas próprias vidas). Embarcações abarrotadas de gentes desesperadas são abandonadas ao largo da costa europeia, à deriva, abandonadas à sorte e ao azar, assim como sempre foram as vidas dessas pessoas. Por vezes, as embarcações são encontradas pela polícia marítima e os imigrantes são resgatados (embora, comummente, sejam forçados a regressar ao seu país de origem, sem as poupanças de que abdicaram para de lá sair). Por vezes, no entanto, corre mal, terrivelmente mal. E dá-se a tragédia. Neste fim-de-semana perderam-se 700 vidas (ou mesmo 950 segundo o relato de um dos 28 sobreviventes, incluindo dezenas de crianças e duas dezenas de mulheres). A dimensão desta tragédia assumiu relevo nos meios de comunicação social, mas muitas outras têm passado ao lado. A Europa não sabe. Não quer saber. Permanecemos indiferentes, fechados nas nossas invisíveis fronteiras, ignorando que a real fronteira está entra a Terra e o Espaço, raramente entre nós. Não podemos continuar a ignorar. Já não há desculpas. Os líderes europeus reuniram-se para discutir o tema. O receio, todavia, é que seja novamente um acto de relações públicas e que tudo volte a passar ao lado.

Há outras coisas que, por mais que se queira e por mais que devam, não passam ao lado. Pedro Passos Coelho continua a não querer deixar a descida da TSU passar ao lado da sua governação, meia legislatura depois sem tocar no tema. Agora, quiçá amedrontado, propõe uma descida gradual desta taxa, prometendo que a redução dos custos de trabalho para a entidade patronal aumentará a competitividade e poderá trazer criação de emprego. Desacredite-se quem pensa que a transferência de dinheiro do Estado para o patronato (ou, neste caso, a menor transferência do segundo para o primeiro) irá resultar numa relação directa e proporcional à criação de postos de trabalho. As empresas não estão a contratar porque os níveis de produtividade são baixos, porque a nossa economia não avança e porque o reduzido nível de consumo interno e a incerteza das exportações não cria nem a necessidade nem o estímulo para o aumento da produção. Claro que uma redução da TSU tornaria o produto português mais barato lá fora, mas não nos esqueçamos que Portugal já tem das taxas de qualificação mais baixas da União Europeia e que, por inerência, a produção externa conta com custos de trabalho mais elevados que a da produção portuguesa... vendendo mais mesmo assim. Se não é com produção barata que a Europa vence, não será Portugal a descobrir a pólvora com a “chinenização” da sua produção. A TSU financia a Segurança Social e esta já se encontra sob um grande estrangulamento financeiro. A confirmar-se a descida na taxa como Passos pretende, como é que o diferencial será reposto? Se não forem as entidades patronais, e se o Governo está empenhadíssimo em reduzir a despesa, quem sustentará a Segurança Social? Por exclusão de hipóteses, todos nós, com impostos acrescidos. Ou então deixa-se a Segurança Social ir ralo abaixo de vez. Já pareceu haver menos vontade disso nos nossos governantes. A alternativa seria uma subida proporcional no emprego (resultando em mais valor no imposto sobre o rendimento), mas lá voltamos ao ponto inicial desta bola de neve. O mais recente relatório da OCDE revela que Portugal está entre os quatro países com mais desemprego jovem. Um dado cada vez mais preocupante. E cada vez mais irresolvível. Os jovens portugueses são dos que mais tarde saem de casa dos pais e, quando saem, vão para outro país, numa nova vaga de emigração portuguesa mais qualificada e ao mesmo tempo menos preparada para o rol de desafios. Menos preparada e disposta ao que for preciso para (sobre)viver. Menos preparada e disposta que os imigrantes africanos que diariamente arriscam a vida por um sol mais forte e brilhante (imigrantes que, curiosamente, descartam a costa portuguesa como opção para a sua rota liberatória). Dispomos de condições superiores, mas não as usamos a nosso favor. E por tudo isto, porque o país não sabe como reter os seus jovens, porque não sabe como ser mais produtivo, porque não sabe como ser mais competitivo, Portugal é como um barco à deriva no Mediterrâneo. Felizmente, o sol ainda é forte e brilhante na nossa costa.



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