domingo, 12 de abril de 2015

Começa a corrida

Estão abertas as inscrições para mais uma edição da Casa dos Degredos Segredos. Não a da TVI, embora não deva estar muito longe de voltar acontecer, mas a de Venda de Belém, onde a corrida para a qual parecia que não haveria candidatos está progressivamente mais completa. Cavaco Silva abriu as inscrições quando creu que lhe ficaria bem delinear o perfil do seu sucessor. Foi como colocar um anúncio de emprego. Tal como nesse contexto, muitos tentam a sorte, com ou sem o perfil pretendido. Oficialmente, o único candidato é Henrique Neto, empresário e militante do PS. Sampaio da Nóvoa, ex-reitor da Universidade de Lisboa, prepara-se para apresentar a sua, parecendo reunir alguns apoios à esquerda. Todavia, estes não serão presumivelmente os nomes que sobejarão no fim, numa hipotética segunda volta, quando a corrida se tornar verdadeiramente renhida. Os candidatos de peso aguardam na expectativa. Por um lado, há os eternos candidatos da direita: Marcelo Rebelo de Sousa, Pedro Santana Lopes, Rui Rio, Durão Barroso, Manuela Ferreira Leite. Por outro, os da esquerda: António Guterres, Carvalho da Silva, António Vitorino, Maria de Belém Roseira. E há ainda Paulo Portas, que segundo Santana Lopes é uma “hipótese realista” para Belém (dependendo do que acontecer nas legislativas e da disponibilidade de poleiros, claro). José Sócrates só não é também candidato porque está preso. Destes dois ilustres grupos perdurará um de cada. Como na Casa dos Segredos. A cada semana virão a público os “segredos” de cada candidato até se chegar ao grupo mais restrito de finalistas que irá por fim às urnas. 

À direita, o jogo está calmo, mas à esquerda já vai em pleno vapor. António Vitorino diz que Sampaio da Nóvoa é um “ilustre desconhecido” e António Guterres declara que prefere manter-se na ONU, onde exerce o cargo de Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados. Luís Marques Mendes não gostou nada da confissão de Guterres. Considerou que o antigo primeiro-ministro “andou aos ziguezagues” e que se não queria ser candidato “devia ter dito mais cedo e, já agora, em Portugal e aos portugueses”. A verdade é que Guterres nunca disse que estaria a ponderar entrar na corrida a Belém. Foi colocado nessa corrida por comentadores e analistas políticos, os mesmos que agora o acusam de não ter dito mais cedo que não será afinal candidato ao lugar que nunca disse que queria. Neste momento, a corrida a Belém pode ir para qualquer lado. É como a imagem viral desta semana de um gato numas escadas que tanto parece estar a subi-las como a descê-las. Mas se for como o gato de Erwin Schrödinger, está fisicamente a descer e a subir ao mesmo tempo. E efectivamente todos os nossos potenciais candidatos são-no e não o são ao mesmo tempo. Tudo pela oportunidade de representar o povo português na República. A honra é nossa.

Não é apenas em Portugal que uma corrida presidencial para 2016 começa a perfilar-se. Nos Estados Unidos, Obama ainda tenta deixar um legado para a história (trocou um aperto de mão com Raúl Castro na Cimeira das Américas no Panamá e reuniu-se em privado com o homólogo cubano, marcando o fim de 50 anos de hostilidades e desforras), mas já são vários os nomes que querem ocupar a sua cama na Casa Branca. Os abutres bem gostam de rondar corpos moribundos à espera que se lhes esgote a vida para se apoderarem da sua carne e dos seus bens. Depois dos senadores Rand Paul e Ted Cruz do partido republicano, Hillary Clinton prepara-se para apresentar a sua candidatura à nomeação do partido democrático. Poderá ser a primeira mulher presidente da nação norte-americana. Também podia ter sido em 2008, mas um “ilustre desconhecido” tomou a América de surpresa. Pode ser desta. Rand Paul está aterrado com a possibilidade e deu início à troca de palavras, acusando os Clinton de serem hipócritas e de acharem que estão acima de lei. Acima da lei parece estar a polícia norte-americana após mais uma morte injustificada de um afro-americano. Desta vez houve uma prova visual da acção policial homicida e foi possível agir sobre o culpado. Mas nem sempre foi assim. Nem sempre será. Será um tema a dominar a campanha eleitoral. A corrida vai ser nervosa. Nervosa como Alexis Tsipras está a deixar os líderes europeus. Embora a Grécia tenha conseguido pagar ao FMI a tranche de 450 milhões de euros que vencia na quinta-feira, o primeiro-ministro grego mostra-se disposto a encontrar todas as alternativas ao sufoco troikano. A próxima tranche vence a 12 de Maio e é de 746 milhões de euros. Tsipras quer antecipar-se à bancarrota grega procurando em Vladimir Putin o parceiro para sacudir a pressão. Tsipras quer retomar a troca comercial de bens agrícolas que tem estado sob embargo desde o arrefecimento das relações entre a União Europeia e Moscovo após o alinhamento da Ucrânia com Bruxelas. O eixo ucraniano é um tema sensível para Moscovo e o apoio da Grécia, contrariando a posição da União, é vista com muitos bons olhos. Moscovo até promete fornecer gás mais barato à nação helénica.

Depois da cartada das indemnizações alemães devidas pelos danos da 2ª Guerra Mundial, Tsipras jogou a carta russa. Esperemos que não se transforme na roleta russa. Os líderes europeus também preparam a sua cartada. Numa troca errada de emails, ficou a saber-se que a Finlândia, num memorando assinado pelo seu ministro das finanças, está a preparar-se para o “grexit”, como é conhecida a eventual saída da Grécia da zona euro. O ministro avisa que que os políticos têm de estar preparados até Junho para a possibilidade de haver uma falência grega e acrescenta que a União poderá ter de responder com a expulsão da Grécia da zona euro através de uma "aprovação silenciosa de outros países". Atravessamos uma guerra fria europeia. E pode aquecer. Enquanto se trocam cartadas neste perigoso jogo de póquer, por cá celebramos o facto dos juros da dívida portuguesa a dois anos terem sido negativos pela primeira vez, o que quer dizer que os investidores estão dispostos a pagar para ter a nossa dívida. Embora seja um feito importante, esta favorável evolução dos juros não se deveu às políticas do governo, como o conjunto do Palácio da Ajuda tentou transparecer, mas ao plano de Mario Draghi, que colocou o BCE a comprar directamente as dívidas dos estados-membro, nulificando o risco dos investidores. A desinformação é um veículo da governação, qualquer que ela seja. É talvez um dos seus piores e mais terríveis veículos. No Coreia do Norte, por exemplo, acredita-se agora que Kim Jong-un aprendeu a conduzir aos 3 anos. Toda a mentira se torna verdade se for falsamente comunicada. Felizmente, há quem mantenha os princípios da verdade e da liberdade. Assim foi Tolentino de Nóbrega durante mais de 40 anos ao serviço do jornalismo madeirense e nacional. Tolentino de Nóbrega não resistiu a uma doença oncológica e o jornalismo português perdeu um dos seus heróis e ficou incontornavelmente mais pobre. Ficou a informação. Ficou a liberdade. E ficámos todos também.



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