Sempre me
honrei por ser europeísta. Sempre reconheci a importância da União Europeia
para Portugal e para a economia portuguesa. Sempre defendi uma Europa unida. Sempre
acreditei que o caminho para a frente seria necessariamente com progressiva
integração, porventura até à instalação de uma integração económica total no
continente europeu. Todavia, ao longo dos últimos meses, sinto-me com uma sensação
amarga em relação à Europa.
Finda a 2ª
Guerra Mundial urgia sarar feridas na Europa. Urgia reduzir a crispação,
estabelecer pontes e introduzir uma época de estabilidade e crescimento. É
certo que ainda houve um muro a dividir Berlim e famílias até 1989, é certo que
ainda houve conflitos nas regiões balcânicas provocando milhares de vítimas e
desalojados, mas é inegável que a génese da União Europeia a partir da
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e da Comunidade Económica Europeia trouxe
uma época próspera de aproximação entre os povos europeus, com abertura de
fronteiras e livre circulação de pessoas nos países signatários do Espaço
Schengen. Época que, com a criação da moeda única colocada em circulação em
2002, trouxe importantes apoios e possibilidades de crescimento aos países pior
posicionados dentro da União.
Até 2007, a
robustez da União Europeia era inegável e tudo indicava que fosse aumentar. O
Tratado de Lisboa assinado no final desse ano trouxe uma maior integração
política entre os países da comunidade, transformando o Banco Central Europeu numa
instituição oficial, criando um Tribunal de Justiça pautado por uma Carta dos
Direitos Fundamentais juridicamente vinculativa e estabelecendo uma Política de
Defesa e de Segurança comum marcada pela solidariedade mútua. Em 2008 tudo
mudou. A crise internacional iniciada com a crise do subprime norte-americano criou cissuras no continente europeu e
introduziu uma divisão informal entre os países do norte e os países
periféricos e do sul mediterrânico, doravante designados por PIIGS (Portugal,
Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). Historicamente, estes cinco países ficaram continuamente
atrás dos restantes nos índices de crescimento económico, apresentando
regularmente défices e aumento de dívida pública. Não obstante, a pertença à
União Europeia e à moeda única significou quase sempre um auxílio à asfixia
financeira que os mercados internacionais colocavam, na linha do princípio de
solidariedade que vinculava toda a União.
A partir de
2008 a atitude mudou. Sem uma protecção europeia robusta, Irlanda, Grécia e
Portugal foram sucessivamente alvo de especulação negativa por parte de
agências de rating que foram cortando
a qualidade da dívida destes países até ao nível de lixo, impossibilitando-os
de se financiar nos mercados. Ora, e porque nenhuma nação vive sem dívida, resultaram
inevitavelmente pedidos de ajuda financeira internacional ao BCE e ao FMI.
Resultou a temível troika. Em 2012, e
quando Espanha e Itália começavam a ser alvo da mesma especulação negativa, o
BCE de Mário Draghi decidiu-se por uma magia financeira que quase imediatamente
acalmou a subida de juros de dívida por todo o lado. Através do programa Outright
Monetary Transactions, Draghi passou a comprar títulos soberanos dos países
membros da zona euro, implicando uma transferência de riscos. Mais do que a
panóplia de medidas de austeridade implementadas em Portugal pelo anterior Executivo,
foi o programa de Draghi que fez descer as taxas de juro e que permitiu que
Portugal voltasse a negociar nos mercados de forma razoável. Aqui, o mecanismo
de solidariedade da União funcionou, mas fica até hoje por se perceber porque é
que o mesmo não foi accionado mais cedo quando Irlanda, Grécia e Portugal
sofriam especulação agressiva. Muito poderia ter sido diferente. A austeridade
não teria sido potencialmente tão draconiana.
Agora que
Portugal tem um novo governo que promete reduzir austeridade sobre as famílias,
reduzindo carga fiscal e repondo pensões e salários, a União volta a virar
costas. O Orçamento para 2016 segue uma linha de retórica diferente daquela que
os decisores europeus e os analistas internacionais consideram certa. Mais do
que uma incompatibilização técnica, trata-se de uma incompatibilização política.
O Governo português prevê que a economia cresça e que Portugal cumpra os seus compromissos
através de uma forte aposta no rendimento e no consumo. Decisores europeus e
analistas internacionais acreditam que este caminho só pode ser conseguido
através de austeridade, de agressão fiscal e de contenção na despesa pública.
Ideologicamente, as duas visões para a economia portuguesa não podiam ser mais
contrárias. Perante a desconfiança para com o cenário traçado por Mário
Centeno, as agências de rating
voltaram a ameaçar com a sombra da especulação. Novamente, a União esqueceu o
princípio de solidariedade e colocou-se do lado errado, apostando contra
Portugal. Pelo meio ignorou a soberania da nação portuguesa e a sua autonomia
para decidir o rumo dos seus negócios, não obstante as garantias do novo Executivo
de que todos os compromissos internacionais seriam cumpridos. A mesma União que
fechou os olhos à aprovação na Dinamarca do confisco de bens (acima de 1340
euros) aos refugiados que chegam das regiões de conflito no Médio Oriente. A
mesma União que fechou os olhos ao fecho unilateral de fronteiras na Hungria e noutros
países limítrofes da Europa, colocando em causa o Espaço Schengen. A mesma
União que enfrenta a possibilidade de saída do Reino Unido – um dos seus
principais membros fundadores – em discordância com os diversos mecanismos de solidariedade
entre os Estados-membro. A mesma União que perante a hipótese de viragem à
esquerda em Espanha quer fazer de Portugal exemplo.
Por estas e
muitas mais razões que escapam a esta breve análise, a desilusão com a União
Europeia é ineludível. O tratamento arrogante dos países do norte para com os do
sul enjoa. O tratamento disforme e arrogante para com Portugal merece repúdio. Sempre
me honrei por ser europeísta. Sempre reconheci a importância da União Europeia
para Portugal e para a economia portuguesa. Sempre defendi uma Europa unida. Sempre
acreditei que o caminho para a frente seria necessariamente com progressiva
integração, porventura até à instalação de uma integração económica total no
continente europeu. Todavia, sinto-me frio e distante em relação à Europa. Sinto
um desconfortável desencanto. E um considerável medo de que, por um fugaz
instante de fraqueza, a ideia do “orgulhosamente sós” me passe pela cabeça.
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