sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Europe of PIIGS

Sempre me honrei por ser europeísta. Sempre reconheci a importância da União Europeia para Portugal e para a economia portuguesa. Sempre defendi uma Europa unida. Sempre acreditei que o caminho para a frente seria necessariamente com progressiva integração, porventura até à instalação de uma integração económica total no continente europeu. Todavia, ao longo dos últimos meses, sinto-me com uma sensação amarga em relação à Europa.

Finda a 2ª Guerra Mundial urgia sarar feridas na Europa. Urgia reduzir a crispação, estabelecer pontes e introduzir uma época de estabilidade e crescimento. É certo que ainda houve um muro a dividir Berlim e famílias até 1989, é certo que ainda houve conflitos nas regiões balcânicas provocando milhares de vítimas e desalojados, mas é inegável que a génese da União Europeia a partir da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço e da Comunidade Económica Europeia trouxe uma época próspera de aproximação entre os povos europeus, com abertura de fronteiras e livre circulação de pessoas nos países signatários do Espaço Schengen. Época que, com a criação da moeda única colocada em circulação em 2002, trouxe importantes apoios e possibilidades de crescimento aos países pior posicionados dentro da União.

Até 2007, a robustez da União Europeia era inegável e tudo indicava que fosse aumentar. O Tratado de Lisboa assinado no final desse ano trouxe uma maior integração política entre os países da comunidade, transformando o Banco Central Europeu numa instituição oficial, criando um Tribunal de Justiça pautado por uma Carta dos Direitos Fundamentais juridicamente vinculativa e estabelecendo uma Política de Defesa e de Segurança comum marcada pela solidariedade mútua. Em 2008 tudo mudou. A crise internacional iniciada com a crise do subprime norte-americano criou cissuras no continente europeu e introduziu uma divisão informal entre os países do norte e os países periféricos e do sul mediterrânico, doravante designados por PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha). Historicamente, estes cinco países ficaram continuamente atrás dos restantes nos índices de crescimento económico, apresentando regularmente défices e aumento de dívida pública. Não obstante, a pertença à União Europeia e à moeda única significou quase sempre um auxílio à asfixia financeira que os mercados internacionais colocavam, na linha do princípio de solidariedade que vinculava toda a União.  

A partir de 2008 a atitude mudou. Sem uma protecção europeia robusta, Irlanda, Grécia e Portugal foram sucessivamente alvo de especulação negativa por parte de agências de rating que foram cortando a qualidade da dívida destes países até ao nível de lixo, impossibilitando-os de se financiar nos mercados. Ora, e porque nenhuma nação vive sem dívida, resultaram inevitavelmente pedidos de ajuda financeira internacional ao BCE e ao FMI. Resultou a temível troika. Em 2012, e quando Espanha e Itália começavam a ser alvo da mesma especulação negativa, o BCE de Mário Draghi decidiu-se por uma magia financeira que quase imediatamente acalmou a subida de juros de dívida por todo o lado. Através do programa Outright Monetary Transactions, Draghi passou a comprar títulos soberanos dos países membros da zona euro, implicando uma transferência de riscos. Mais do que a panóplia de medidas de austeridade implementadas em Portugal pelo anterior Executivo, foi o programa de Draghi que fez descer as taxas de juro e que permitiu que Portugal voltasse a negociar nos mercados de forma razoável. Aqui, o mecanismo de solidariedade da União funcionou, mas fica até hoje por se perceber porque é que o mesmo não foi accionado mais cedo quando Irlanda, Grécia e Portugal sofriam especulação agressiva. Muito poderia ter sido diferente. A austeridade não teria sido potencialmente tão draconiana.

Agora que Portugal tem um novo governo que promete reduzir austeridade sobre as famílias, reduzindo carga fiscal e repondo pensões e salários, a União volta a virar costas. O Orçamento para 2016 segue uma linha de retórica diferente daquela que os decisores europeus e os analistas internacionais consideram certa. Mais do que uma incompatibilização técnica, trata-se de uma incompatibilização política. O Governo português prevê que a economia cresça e que Portugal cumpra os seus compromissos através de uma forte aposta no rendimento e no consumo. Decisores europeus e analistas internacionais acreditam que este caminho só pode ser conseguido através de austeridade, de agressão fiscal e de contenção na despesa pública. Ideologicamente, as duas visões para a economia portuguesa não podiam ser mais contrárias. Perante a desconfiança para com o cenário traçado por Mário Centeno, as agências de rating voltaram a ameaçar com a sombra da especulação. Novamente, a União esqueceu o princípio de solidariedade e colocou-se do lado errado, apostando contra Portugal. Pelo meio ignorou a soberania da nação portuguesa e a sua autonomia para decidir o rumo dos seus negócios, não obstante as garantias do novo Executivo de que todos os compromissos internacionais seriam cumpridos. A mesma União que fechou os olhos à aprovação na Dinamarca do confisco de bens (acima de 1340 euros) aos refugiados que chegam das regiões de conflito no Médio Oriente. A mesma União que fechou os olhos ao fecho unilateral de fronteiras na Hungria e noutros países limítrofes da Europa, colocando em causa o Espaço Schengen. A mesma União que enfrenta a possibilidade de saída do Reino Unido – um dos seus principais membros fundadores – em discordância com os diversos mecanismos de solidariedade entre os Estados-membro. A mesma União que perante a hipótese de viragem à esquerda em Espanha quer fazer de Portugal exemplo.


Por estas e muitas mais razões que escapam a esta breve análise, a desilusão com a União Europeia é ineludível. O tratamento arrogante dos países do norte para com os do sul enjoa. O tratamento disforme e arrogante para com Portugal merece repúdio. Sempre me honrei por ser europeísta. Sempre reconheci a importância da União Europeia para Portugal e para a economia portuguesa. Sempre defendi uma Europa unida. Sempre acreditei que o caminho para a frente seria necessariamente com progressiva integração, porventura até à instalação de uma integração económica total no continente europeu. Todavia, sinto-me frio e distante em relação à Europa. Sinto um desconfortável desencanto. E um considerável medo de que, por um fugaz instante de fraqueza, a ideia do “orgulhosamente sós” me passe pela cabeça.


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