segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Limpinho! Limpinho... Limpinho?

Quantos mais dias decorrem desde que o governo de PSD/CDS abandonou o Palácio de São Bento, mais fica a opinião pública esclarecida e convencida que a empolada e galvanizada saída de Portugal do Programa de Assistência Económica e Financeira foi tudo menos limpinha, limpinha, limpinha. A venda do Banif ao grupo Santander por uns míseros 150 milhões de euros e a consequente revelação da admissão da Comissária Europeia da Concorrência que a venda do Banif vinha a ser sucessivamente adiada "para não colocar em causa a saída de Portugal do Programa de Assistência Económica e Financeira" são a machadada final no embelezamento por que Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque e Paulo Portas tanto batalharam. Na admissão da Comissária datada de Dezembro de 2014 ficou ainda a saber-se que a Direção-Geral da Concorrência rejeitou oito planos de reestruturação do Banif desde Dezembro de 2012, altura em que o banco fora recapitalizado pelo Estado português, arrastando a morte lenta da instituição financeira madeirense para o cenário comatoso que o Primeiro-Ministro ontem desligou por fim.

O alerta de que o Governo português se arriscava a vender o Banif a preço de saldo já era antigo. Com a entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2016 de uma nova legislação europeia sobre a liquidação e reestruturação de instituições bancárias que impõe o 'bail-in' – em que obrigacionistas seniores e grandes depositantes (acima de 100 mil euros) são chamados a pagar parte de uma eventual resolução – a urgência de uma resposta para o Banif era conhecida há largos meses. Nada foi feito. A iminente entrada desta legislação criou nas últimas semanas uma situação “contra-relógio” que podia e deveria ter sido evitada. Imperiosamente. Com as eleições à porta, o anterior executivo elegeu deixar a batata quente em banho-maria, temente que a perigosidade financeira e o fim da ilusão de saída limpa do Programa de Assistência Económica e Financeira prejudicasse as suas hipóteses no sufrágio. Agora, com pouco mais do que 3 semanas para se inteirar da situação do Banif e tomar uma decisão, o executivo liderado por António Costa optou pela única óbvia saída à sua frente.

A decisão do Governo acarreta um custo muito elevado para os contribuintes. O próprio Primeiro-Ministro reconheceu. Inclui um apoio público estimado de 2,255 mil milhões de euros para cobrir contingências futuras (489 milhões de euros pelo Fundo de Resolução e 1,766 mil milhões de euros directamente pelo Estado). Em contrapartida, o Banco Santander Totta entrega 150 milhões de euros ao Estado português e fica com a generalidade da actividade do Banif, passando os clientes e as agências do banco madeirense a serem clientes e agências do Banco Santander Totta. O negócio inclui ainda a transferência de activos problemáticos para um veículo de gestão de activos, sendo que no Banif, de ora em diante “banco mau”, permanecerão um conjunto muito restrito de activos (para futura liquidação) e as posições accionistas, dos créditos subordinados e de partes relacionadas. À cabeça, a decisão do Governo implica desde já um orçamento rectificativo e a revisão em alta do défice de 2015 para 4% (contra o défice de 2,7% que o executivo anterior bradava).

O desconforto de António Costa com a decisão de venda da participação do Estado foi evidente na sua declaração ao país. Apenas dois dias antes seis candidatos apresentavam propostas de compra (os espanhóis Santander e Popular, o norte americano Apollo Managment, o fundo norte-americano J.C. Flower e ainda um fundo sino americano ligado ao Haitong Bank que comprou o BESI há um ano). Perante a noticiada urgência para vender do Governo português, os seis candidatos propuseram módicos valores para a aquisição do banco (enquanto certamente esfregavam as mãos de regozijo ante tão grande pechincha). Afinal, não é todos os dias que um banco com depósitos na ordem dos 6,1 mil milhões de euros no fim de Setembro está a preço de saldo. Não obstante os exíguos valores em cima da mesa, a decisão teve que ser prontamente tomada. António Costa afirmou ser a solução "que melhor protege a estabilidade do sistema financeiro português", mas nem o primeiro-ministro pareceu muito convencido disso. Talvez a solução pudesse ter passado por uma integração dos activos bons do Banif na Caixa Geral de Depósitos, onde se manteriam sob o controlo público. O dinheiro a injectar manter-se-ia sob controlo da esfera pública. Todavia, pressionado por prazos cada vez mais curtos, António Costa não teve espaço para ponderar outra solução que não a venda rápida do Banif, a única que no imediato protegia depositantes e trabalhadores, embora seja provável que no futuro estes últimos vejam os seus contratos em risco com a inevitável duplicação de estrutura.


A propositada indefinição do anterior executivo para manter a forçada e espalhafatosa maquilhagem de saída limpa do Programa de Assistência Económica e Financeira, ignorando sucessivos avisos da Comissão Europeia e rejeitando liminarmente várias propostas de reestruturação do Banif, não pode agora passar incólume. É um sério caso de gestão danosa, com claro dolo para o contribuinte português. Já estão prometidas comissões de inquérito parlamentares, mas não podem novamente ficar apenas pelo disse e diz que disse. Não podem novamente terminar na prorrogação da impunidade e do ciclo vicioso financeiro. Já vimos todos uma semelhante história com o Banco Espírito Santo. Já vimos como o homem responsável pelo seu desfecho permanece incólume, apenas reduzido da sua posição de “dono disto tudo” para dono de uma grande fortuna alimentada por negócios obscuros. Não pode repetir-se, nem podem aqueles que adiaram uma situação grave para benefício eleitoral ficar eternamente sob o sigilo da sua imunidade parlamentar. Assim como onde há fumo há fogo, onde há culpa tem que haver culpados. E nenhum está propriamente escondido.


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