quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

O poder da (des)informação

Mais do que quantidades inimagináveis de dinheiro ou amizades com elementos-chave da sociedade, o verdadeiro poder é a informação de que um dispõe e da quão privilegiada é. Não é por acaso que as nações dispõem de agências secretas onde a informação é a moeda de troca. Não é por acaso que as grandes empresas dispõem de departamentos rodeados pela obscuridade responsáveis pela obtenção de informação sobre a concorrência. Não é por acaso que existe o segredo de justiça. Não é por acaso que o jornalista se compromete com um conjunto de normas e procedimentos éticos, um código deontológico que rege a profissão, marcado pela objectividade, pela imparcialidade, pela confidencialidade e pela verdade e precisão. Deter informação é deter um recurso capaz de envergonhar as capacidades bélicas de um instrumento de guerra. Ora veja-se como Edward Snowden abalou os poderosos Estados Unidos da América com a divulgação de informação classificada, ou como antes dele Julian Assange colocou os Estados Unidos e os seus Aliados de joelhos com a criação do site WikiLeaks e com a peremptória divulgação de relatórios secretos sobre as guerras no Médio Oriente.     

Deter informação é uma responsabilidade considerável, uma responsabilidade que atinge proporções herculanas quando a informação se encontra embebida num forte carácter de exclusividade. Não está para todos, nem todos podem estar para ela. O jornalismo tem a importante função na sociedade de regular esta responsabilidade, procurando a verdade, apurando os factos e impondo a transparência. Mas a mais fundamental função do jornalismo, garantido primeiro o apuramento total de todos os factos, é a ponderação sobre os momentos certos, sobre o instante a partir do qual a informação pode ser divulgada, sob risco de se iniciar uma série de desinformações em catadupa em que a verdade é trocada pela opinião, a imparcialidade pelo sentença e a objectividade pela divagação. Nunca foi tão importante como hoje, nesta era das redes sociais que atravessamos em que tudo demora menos de um milésimo de segundo a se propagar irreversivelmente por todo o lado, ponderar a bondade da informação de que dispomos. O caso José Sócrates é um exemplo fresco nas nossas memórias de que como a ponderação falhou, de como a deontologia jornalística falhou, de como a deontologia judiciária falhou. Sem uma acusação formada e com o processo ainda numa fase de germinação, a opinião pública foi apresentada com informação ferida de objectividade que não pôde ter outro efeito que não fosse um julgamento de carácter imparcial. A ausência de ponderação por parte de todos os intervenientes redundou num precedente grave. Redundou também no reverso da moeda com a decisão de proibição da publicação de notícias relacionados com o caso José Sócrates por parte dos meios de comunicação do grupo Cofina, um ainda mais grave precedente com ramificações que não conseguimos antever.

O caso deveria ter servido novamente de lição sobre o efeito que a informação tem na opinião pública. A TVI não aprendeu. Ao divulgar no passado domingo uma notícia especuladora sobre a situação do Banif voltou a mostrar que o poder da informação é demasiado grande, às vezes até para aqueles que têm por responsabilidade e actividade regulá-la. O efeito foi o que se viu, que se vê ainda. Filas às portas dos balcões do Banif com clientes preocupados. Acções em mínimos nunca vistos. Esclarecimentos pouco claros por parte do Banco. Garantias do Primeiro-Ministro. Garantias de candidatos presidências. Mais notícias feridas de objectividade. A sombra do colapso do BES a pairar irremediavelmente. Embora reconhecendo que a informação divulgada não foi “totalmente precisa e esclarecedora”, a TVI alega que as primeiras informações avançadas em rodapé pela televisão foram posteriormente “cabalmente esclarecidas no jornal '25ª hora', emitido à meia-noite”. É preocupante que o canal remeta para um esclarecimento posterior uma notícia incendiária que passou em rodapé e que considere isso suficiente, mesmo admitindo que nesse entremeio tenha induzido a opinião pública a “conclusões erradas e precipitadas sobre os destinos daquela instituição financeira”. A impunidade não se ganha apenas de peito feito.


À venda e com capital injectado pelo Estado, o destino do Banif era imprevisível. Poderia ser o que a TVI anunciou, ou outro completamente diferente. Agora dificilmente terá outro que não o anunciado. O alarme provocado pela notícia da TVI alastrou-se como um vírus e uma instituição financeira que se encontrava em lenta convalescença não tem maneira de sobreviver a este novo assalto. O banco foi-lhe retirado de baixo dos pés. A confiança acabou. Os depósitos estão a desaparecer de hora para hora e a liquidez é já uma distante memória. No fim do dia, os contribuintes perderão mais um pouco e poderemos regressar ao caos financeiro, com tudo o que isso implica. A notícia da TVI desvalorizou mais o Banif do que um relatório anual de contas com avolumados prejuízos poderia ter feito. Inevitavelmente, há agora um véu de suspeição sobre actuação do canal televisivo. Quero acreditar que não há má-fé nesta actuação, mas só me faz temer ainda mais o poder da informação e da desinformação. Preocupa-me que a informação seja tratada com tanta leviandade. Preocupa-me que informação incompleta e limitada do panorama que apresenta seja exibida como cabal. Preocupa-me que erros como este possam vir a transformar a decisão judicial sobre o grupo Cofina em jurisprudência. A liberdade de informação foi conseguida a fogo e ferros. Não pode agora ser perdida porque não sabemos usá-la, porque não sabemos ponderar sobre a sua idoneidade.            


Sem comentários:

Enviar um comentário