quinta-feira, 16 de julho de 2015

Tsipras e os 300

No filme 300 de Zack Snyder, adaptado da banda desenhada do mesmo nome da autoria de Frank Miller e Lynn Varley, o povo grego encontra-se sob um ataque feroz do povo persa, à época principal potência do eixo do Médio Oriente. Liderado por Xerxes, a conquista da totalidade do território grego parece inevitável. Xerxes permanece invencível até ao momento em que encontra um obstáculo no povo espartano, povo que resiste à anexação não obstante a sua pequeneza perante o todo-poderoso exército persa. Com um módico exército de 300 homens liderado pelo rei Leónidas, os espartanos resistem herculeamente à invasão persa numa épica batalha num desfiladeiro acessível apenas por um curto espaço, reduzindo assim consideravelmente a força que os 300 homens de Leónidas vão enfrentando. Centenas de anos volvidos, a Grécia enfrenta novamente uma invasão, não do Médio Oriente, não militarizada, mas económica e europeia, invasão em que as principais armas são mais e mais austeridade para subjugar o povo grego através de cruel pobreza, de cruel falta de qualidade de vida e de cruel impossibilidade de futuro. Nesta versão moderna de 300, o todo-poderoso exército persa é substituído pela tecnocracia do eixo europeu com a Alemanha à cabeça, na voz da chanceler Angela Merkel e do Ministro das Finanças Wolfgang Schäuble. A Grécia resistiu ao eixo. Fez cair o seu governo tecnocrata e substituiu-o pelo Syriza, um partido de extrema-esquerda liderado por Alexis Tsipras e pelo seu Ministro das Finanças Yanis Varoufakis. Durante cinco meses, Tsipras e Varoufakis resistiram à austeridade exigida pelos credores tal como o exército de 300 de Leónidas resistiu à subjugação pelo exército persa. No desfiladeiro económico, Tsipras e Varoufakis foram respondendo às ameaças europeias. Proposta atrás de proposta, foram desfazendo todas as intenções de mais austeridade. Quando os credores alertaram que não havia mais margem de manobra, Tsipras e Varoufakis decidiram-se por um histórico referendo popular que mostrou de forma esmagadora que o povo grego estava do lado dos bravos 300. A vitória previa-se histórica. Tsipras seria imortalizado como um herói moderno, mesmo que sem os abdominais ridiculamente definidos de Leónidas.


Mas algo aconteceu entretanto. Varoufakis abandonou o Governo grego e Tsipras, munido com a força do Oxi no referendo, cedeu em toda a linha às intenções dos credores, subscrevendo um temível pacote de austeridade e uma tamanha subjugação que vai até para além daquela que em referendo o povo grego rejeitou de forma determinante. A proposta inesperadamente assinada por Tsipras passou ao parlamento grego e, simultânea com uma dura manifestação no exterior envolvendo forças policiais e cocktails molotovs, foi aprovada com a oposição de muitos membros do Syriza, incluindo Yanis Varoufakis. As medidas dos credores para o terceiro resgate grego castigam a Grécia pela afronta ao seu poder. Mais do que propor condições técnicas que garantam o cenário económico-financeiro em que a Grécia é capaz de pagar as suas dívidas e os asfixiantes juros, o eixo xerxiano moderno liderado por Merkel e Wolfgang Schäuble quer garantir que não há mais qualquer forma de insurreição na zona euro. O exemplo foi dado. O eixo xerxiano crê que ficou assim provado que a resposta não está na eleição de governos rebeldes ou na tomada de posições extremadas, mas em governos subalternos que cumprem aquela que acreditam piamente ser a solução para todos os males: austeridade. Foi assim com o Governo português. Será assim com qualquer outro governo que se veja a contemplar um cenário de recessão. Em ano de eleições um pouco por toda a Europa, o efeito Syriza morreu. Tsipras não é nenhum redentor. Não mostrou nenhum caminho alternativo à Grécia e à Europa. Tsipras não é Leónidas. Quem é Tsipras, então? No filme 300, Ephialtes é um espartano deformado que pede a Leónidas a sua permissão para se juntar ao exército de 300. Leónidas recusa; Ephialtes sobreviveria pouco tempo em combate. Revoltado, a troco de riqueza, luxo e de uma posição no exército persa, Ephialtes mostra ao todo-poderoso Xerxes um caminho secreto para o desfiladeiro onde Leónidas e os 300 resistem às investidas. Com este conhecimento, Xerxes destrói Leónidas e o valente exército. Tsipras não pode senão ser Ephialtes nesta versão moderna. Trouxe a derrota ao seu próprio povo pelo caminho que ninguém esperava: através da sua completa anuência a todas as determinações dos credores. Mesmo que ainda não o admita, Tsipras passou à tecnocracia e mudou-se para o eixo xerxiano. Os 300 gregos foram derrotados.


4 comentários:

  1. É uma boa analogia que é estragada completamente ao final. Não, Tsipras não foi um Ephialtes ou um Judas. Tsipras foi um líder ( um Léonidas) que acabou cercado pelos seus inimigos. Ora, qual é o objectivo de um cerco? Não é nem mais nem menos do que asfixiar o adversário ao cortar-lhe o acesso a bens essenciais, forçando-o a render-se. Pois bem, o que aconteceu com Tsipras foi isso, a ameaça latente por parte do BCE, que consistia em cortar a liquidez dos bancos gregos (os quais já tinham sido obrigados a fechar, podendo apenas os gregos levantar 60 euros por dia). Tsipras lutou com bravura, mas foi confrontado com um dilema : render-se ou continuar a lutar e enfrentar as consequências de tal decisão que poderiam conduzir a sua nação ao desastre ( bancarrota, obrigação a produzir moeda própria - que como sabemos teria muito pouco valor e causaria uma grande inflação -, aumento das dificuldades da sua população em aceder a bens de necessidade primária, etc...). Entre capitular, cedendo às propostas idiotas dos seus credores ou continuar a lutar e sofrer com as consequências da asfixia financeira, Tsipras escolheu capitular. Concluo que Tsipras não traiu o seu povo, nem tampouco tinha planeado render-se. Ele ousou fazer aquilo que nenhum outro tinha feito: contestar o poder da tão temível Troika. Uma coisa ele conseguiu: alertar para que algo de errado se passava na UE e no todo-o-poderoso ( mas não formal) Eurogrupo.

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    1. Para mim o problema fundamental de Tsipras, e que me inspirou esta analogia, começa no momento em que anunciou o referendo. Foi o momento em que Tsipras deu um valente murro na mesa do Eurogrupo e que afirmou bem alto que não faria o seu povo refém da vontade calculista dos credores. Tsipras arriscou tudo com esta decisão, como tinha que fazer. Arriscou hipotecar o futuro da Grécia com a crença de que a sua jogada podia mudar o rumo das negociações a seu favor. Com a vitória do Sim, fiquei - e acho que ficámos todos - convicto que finalmente o povo grego seria ouvido como merecia ser. Havia finalmente esperança. A desilusão com a anuência de Tsipras a todas as condições dos credores poucos dias depois dessa demonstração de força do povo grego foi tremenda. Tsipras não capitalizou o poder que o resultado do referendo lhe deu. Basta ver a forma como o discurso no Eurogrupo mudou da saída irrevogável da Grécia do Euro para a insistência numa solução comum para perceber como os líderes europeus ficaram com medo. Tsipras ignorou tudo isto. Ignorou todo o seu discurso até àquela parte. A sua rendição sem qualquer luta foi no mínimo surpreendente. Mais do que nós que olhamos de fora, imagino a sensação de traição que o povo grego sentiu da parte do seu PM, que tanta esperança lhes trouxe numa hora e tanta lhes retirou na hora seguinte. O povo grego mostrou que estava pronto a continuar a lutar e a sofrer; era isso que o seu Sim dizia. Tsipras, se calhar demasiado cansado de tantas rondas negociais, decidiu desistir e render-se contra a vontade popular.

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  2. Acredito que a vitória do "oxi" no referendo não deu uma margem de negociação tão grande como se pensava. Mas porquê? bom, é simples, porque os credores sabiam perfeitamente que a saída do Euro não passava pelos planos do governo grego. Ora, tendo isto em conta, Tsipras poderia "fazer barulho", mas tinha muito pouca margem de manobra ( dado que tinha de resolver os seus problemas dentro da zona Euro). O próprio PM sabia perfeitamente que, sozinho, não tinha qualquer hipótese. Aliás, se nos lembrarmos do que Varoufakis escreveu no seu blog sobre o clima que se vivia no gabinete do PM grego depois da vitória do "oxi"- um ambiente de derrota que contrastava com o de festa nas ruas- , podemos compreender muito bem o que ia na cabeça de Tsipras. Tsipras não estava cansado, estava era sem opções...
    Mas se assim é, porque é que ele convocou o referendo? Para quê se no final mesmo após a tão desejada vitória do "não" por mais de 60%, o clima vivido seria de derrota? Bem, o que eu acredito é que Tsipras queria agitar o resto da zona euro, fomentando o surgimento, em vários países da Europa, de manifestações de apoio ao "oxi". E isso aconteceu, especialmente na Itália. Aguardemos pelos resultados eleitorais em Portugal, Espanha ( sobretudo Espanha).

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  3. Pelo que expus, insisto: Tsipras não é um traidor. Mas compreendo que muitos gregos o possam ver como tal

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