Outra vez a Grécia. O
braço de ferro entre a Europa e os helénicos prossegue ferozmente com a troca
de palavras e acusações a subir de tom. De um lado, a Europa acusa a Grécia de
tornar o sistema monetário europeu refém das pretensões helénicas. Os mercados
têm reagido negativamente com descidas acentuadas nas últimas sessões. Do outro
lado, o Governo grego acusa a Europa – com os olhos sempre postos na Alemanha –
de querer agrilhoar ainda mais o povo grego e de fazer exigências que não se
compaginam com a realidade helénica, extenuada depois de todos os sacrifícios
feitos nos últimos anos. Recorde-se, aliás, que o eleitorado grego elegeu Alexis
Tsipras e o Syriza como forma de mostrar à Europa – e ao Mundo – que bastava. Curiosamente,
poucos meses volvidos desde a surpreendente eleição de Tsipras, o povo grego
parece preparado para votar a favor das instituições troikianas no referendo
que o Primeiro-Ministro convocou subitamente já para o próximo domingo. Ao
longo dos vários meses de braço de ferro, os gregos compreenderam que são a
parte fraca das negociações e que dificilmente sairão a ganhar. Tsipras quer
afastar de si a responsabilidade de subscrever as difíceis condições exigidas
pelos credores, condições que, num acto messiânico, se recusou liminarmente a consentir
durante a campanha eleitoral. Agora que a conjuntura se agrava, agora que o Governo
grego se encontra entre a parede e o fio da navalha – leia-se Merkel e os seus
apóstolos –, a solução de Tsipras passou por um acto de ilusionismo, um que
parece ter feito parar o tempo e colocado a Europa entre um fôlego e outro. Até
serem conhecidos os resultados do referendo, os bancos gregos estarão encerrados
e nenhum cidadão helénico pode levantar mais do que 60€ por dia das caixas de
multibanco. Os turistas são aconselhados a levar os bolsos bem atestados de euros.
Outra vez nas mãos gregas. Se os eleitores gregos mudarem
novamente de ideias e votarem a favor da Europa no referendo do próximo domingo,
Tsipras afasta pelo menos em parte a responsabilidade de submeter o povo grego
a mais sacrifícios. Mas Tsipras também garante desta forma que se verá arredado
do poder, tendo falhando erguer as suas maiores bandeiras eleitorais na haste
mais alta de Bruxelas e da União Europeia. Do Grexit ao Tsexit. Abandonadas
repentinamente as conversações, os parceiros europeus não tardaram a trazer à
rua toda a sua indignação, partilhando com a opinião pública as medidas que
serão levadas a referendo grego e relembrando que termina amanhã o prazo para o
pagamento de 1,55 mil milhões de euros de dívida. A Grécia já avisou que não
terá dinheiro para pagar. O FMI está disposto a adiar. A indignação é dissimulada.
Percebe-se em Bruxelas que os helénicos, desgastados e avergados e por mal dos
seus pecados, votarão a seu favor no referendo. Tsipras será consequentemente afastado
e Varoufakis sairá consigo do Monte Olimpo. Maria Luís Albuquerque avisou à saída
da última reunião do Eurogrupo que “estamos numa situação nunca vivida antes”. Por
baixo, esfregava as mãos de regozijo. A ministra, Juncker e Merkel.
Outra vez o Estado Islâmico. Outra vez barbáricos
atentados contra inocentes. 26 de Junho fica marcado como um novo dia de terror
na Tunísia, no Kuwait e em França, com 262 mortos e 385 feridos em três ataques
distintos, com diferentes modus operandi.
As primeiras investigações dão conta de que os perpetradores dos violentos ataques
tinham ligações ao autoproclamado Estado Islâmico, mas ainda não é certo que os
três actos tenham ocorrido de forma coordenada. Caso se confirme tal suspeita,
o posicionamento do Daesh no eixo geográfico tem que ser necessariamente
repensado. O seu alcance será maior do que era considerado e o seu reinado de
terror não se estenderá apenas ao Médio Oriente, mas a todo o Mundo. Incompreensivelmente,
o Mundo permanece observador, como se o Daesh se tratasse de um transeunte em
trânsito de um ponto de esquecimento para outro ponto de esquecimento. Se nada
for feito a seu respeito, o Daesh está para ficar e para provocar caos,
desordem e carnificina por todo o lado. Na praia do hotel Riu Imperial Marhaba
em Port El Kantaoui, perto de Sousse (140 quilómetros a sul de Tunes), aconteceu
o mais inimaginável dos três ataques. 38 turistas que desfrutavam o início do
Verão num dos mais invejáveis destinos turísticos do Mediterrâneo perderam a
vida, incluindo uma portuguesa de 76 anos. Trata-se da primeira vítima
portuguesa do Estado Islâmico, à hora errada no sítio errado. Vítima do acaso e
do barbárico oportunismo. O autor do atentado, um estudante de mestrado com
apenas 23 anos, volta a sintomatizar o alcance social do Estado Islâmico e acresce
a dificuldade em prever ataques semelhantes.
Outra vez tortura animal. Em Mourão, no concelho
de Vila Flor, Bragança, a população cumpre anualmente uma horrenda tradição de
São João que, pela primeira vez, chegou a conhecimento público. Denominada
"Queima do Gato", envolve a colocação de um gato num recipiente de
barro colocado num poste a alguns metros de altura. O poste é colocado em
chamas, que lavram rapidamente até ao recipiente. Apanhado numa filmagem
incógnita, o ritual chocou o país. Tal selvajaria, tal exultação da população
perante a dor do animal parecem inconcebíveis. Para a população de Mourão, é
tudo normal, faz parte da tradição e a tradição, defendem, é para ser mantida. Mas
que seria da nossa sociedade se todas as tradições se mantivessem? Que seria da
nossa própria evolução enquanto criaturas racionais se as tradições não se
transfigurassem e se adaptassem aos tempos que atravessam, mesmo que significasse
a sua completa extinção? As reacções da população de Mourão à polémica são minimamente
preocupantes. A braços com a Justiça, a população continua a defender que o
animal se encontra bem (é usado há três ou quatro anos no ritual, imagine-se) e
afirma que a situação em torno do caso é “ridícula”. A opinião pública levantou-se
a uma só voz contra esta tradição. Só é lamentável que a mesma indignação não
se verifique noutros contextos quando, ano após ano e até com patrocínio e direito
a transmissão televisiva, dezenas de touros são flagelados e torturados em
arenas para o divertimento, o regozijo e a sensação de supremacia de um povo que
olha de sobranceira. O Daesh, ao menos, mata por crença e por fé cega. Por que
tortura este povo?
Outra vez equidade norte-americana. Antes de mais
nada, Indiana Jones é a melhor personagem do cinema numa eleição levada a cabo
pela revista Empire. Snap! Numa
chicoteada aos estados mais conservadores, por crença na liberdade e na
igualdade de direitos, o Supremo Tribunal Norte-Americano aprovou de uma só vez
o casamento homossexual em todo o país. A decisão do órgão máximo de Justiça
dos Estados Unidos rompeu com a tradição e é já considerada uma medida
histórica e outro marco na de outra forma conturbada administração de Obama.
Nestes temas, Portugal tem vindo a assumir uma posição de vanguarda, tendo sido
um dos primeiros países do Mundo a aprovar o casamento homossexual (o nosso
pequeno rectângulo, aliás, foi o segundo a abolir a pena de morte no longínquo ano
de 1867). Somos capazes de quebrar tradições e da coragem para aplicar chicoteadas
ao vertiginoso ritmo dos Salteadores da
Arca Perdida. Falta agora coragem (mais coragem) para compreender a situação
grega, para condenar o Estado Islâmico, para castigar maus-tratos animais e para
continuar a tomar posições progressistas. Essas, pelo menos, não saem dos
cofres do Estado, que parecem estar mesmo cheios segundo as garantias mais recentes.
Outra vez cheios.
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