domingo, 22 de março de 2015

O eclipse parcial

Esta semana houve um eclipse solar parcial em Portugal. A cobertura do sol pela lua chegou aos 70%. Na ressaca do eclipse, registaram-se as marés mais baixas e mais altas dos últimos anos. Ao longo da história, os eclipses solares determinaram momentos de celebração e de mudança. A sua ocorrência era de tal forma importante para as antigas civilizações que imponentes monumentos foram erigidos para prevê-los. O Stonehenge, em Wilthsire, Inglaterra, é provavelmente o monumento pré-histórico mais conhecido que teria esta função. Por cá, em Portugal, nunca se encontrou nada semelhante. O BES caiu e fez agitar em marés revoltosas o mundo financeiro. Por ironia, o súbito eclipse do grupo económico pode muito bem ter finalmente feito erigir um Stonehenge verdadeiramente português (um bom e um mau, imagine-se). Nem a propósito, Ricardo Salgado, qual velho druida, voltou esta semana ao Parlamento no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito ao BES e ao seu eclipse parcial (considerando que apenas a parte boa se livrou do apagão). Salgado, todavia, não trouxe nada de novo para além da aspereza das suas palavras e da arrogância da sua postura. O Stonehenge inglês esteve sempre envolto em mistério e o português mal nasceu e já segue o mesmo caminho. De pequenino se torce o pepino. Da lista de 138 nomes que seriam chamados ao Parlamento, metade desapareceu, entre eles José Luís Arnaut e Durão Barroso. O druidismo afinal permanece forte nos dias de hoje.

Paulo Portas não teve a felicidade de desaparecer desta lista e lá teve que voltar, contrariado, à Comissão. Mal adivinharia, contudo, que seria chamado a falar dos mistérios do seu próprio monumento pré-histórico. A mínima menção do caso dos submarinos arreliou-o. Daquelas marés já está mais do que farto. Portas pretende um eclipse total sobre o caso, mas fica-se sempre por um parcial. É à sua imagem. Fica sempre a meio da sua promessa, como o irrevogável dado por revogado há tempos. Em resposta à menção do seu Stonehenge, Portas disse que os deputados José Magalhães e Ana Gomes o faziam lembrar daquela “história que se contava do Octavio Paz: que as moscas andavam todas com patas para baixo e depois há uma mosca que anda com as patas para o ar e acha, essa mosca que anda com as patas para o ar, que as outras moscas estão todas erradas e ela é que está certa". Não sei qual é o efeito de um eclipse numa mosca, apenas que Portas não pareceu querer virar as suas patas para baixo quando o eclipse do seu caso se deu pela metade. Finda a audição, que pouco teve a ver com o Stonehenge português, o vice do governo pôs-se a andar para Marrocos, onde se calhar, por causa do calor e da areia, todas as moscas andam com as patas para cima e o eclipse é total. Alertou o Papa Francisco esta semana que “a corrupção é suja” e que “aquele que permite a corrupção também cheira mal”. Não professo a crença do homem, mas as suas palavras nunca deixam de ter um tom universal. Quiçá Portas foi esta semana a Marrocos para finalmente sentir o cheiro de coisas boas.

Mas nem todos os eclipses foram somente parciais esta semana. Na sessão de encerramento das jornadas da JSD em Pombal, Maria Luís Albuquerque anunciou que os cofres portugueses estão cheios. Ninguém estava à espera desta declaração da Ministra das Finanças. A top model Gisele Bündchen abandonou a passerelle e fez-se à reforma, enquanto a companhia aérea de baixo custo Ryanair anunciou que realizará no futuro próximo voos da Europa para os Estados Unidos a partir de 14€ por passageiro (desmentindo depois). A ministra não parou por aqui e pediu ainda aos jovens, numas jornadas intituladas «Portugal nas tuas mãos», que se multipliquem. Diz uma passagem do Genesis que no momento da criação deus pediu ao homem e à mulher que «crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra». Maria Luís Albuquerque já não aspira apenas ao messianismo. Não lhe basta fazer como Jesus Cristo e os seus cinco pães. Não lhe basta multiplicar moedas para encher os cofres de Portugal. Maria Luís Albuquerque quer a população portuguesa crescida e multiplicada, a encher e a dominar a terra. Será que o Quinto Império de Pessoa tomará por fim forma ao cabo destes anos todos?

Infelizmente para a ministra, há uma cobra no seu jardim que não se eclipsa. Falo, pois, da lista VIP (víbora?) de contribuintes. O caso não abranda e já resultou em duas demissões, incluindo o Subdiretor-geral da Justiça Tributária e Aduaneira. Instada a comentar o caso nas jornadas da JSD, a Ministra das Finanças recusou falar. Afinal, considerando o teor da lista, o NIF de Maria Luís Albuquerque deve ser certamente um dos primeiros a lançar um alerta no sistema; o bom senso diz que não se deve cuspir na mão que nos alimenta. No lugar, a ministra não se escusou a proferir outra declaração sobre o seu homólogo grego. "Sobre o Varoufakis não sinto nada", afirmou, falando da cobra no jardim europeu. Se o vídeo já não fosse antigo e traiçoeiramente editado, talvez o dedo do meio de Varoufakis fosse a sua resposta à homóloga portuguesa. Varoufakis não está sozinho e conta com o apoio dos incautos que se opõem ao euro-jardim e que, a propósito da inauguração das megalómanas novas instalações do BCE em Frankfurt, promoveram uma manifestação contra as políticas de austeridade na Europa num dos principais centros que as fomentam. O jardim outrora paraíso está ameaçado. Talvez também se vá eclipsar e se transformar num Stonehenge. Durante as próximas semanas, e eventualmente meses, os druidas vão continuar a reunir-se e a tentar minimizar os estragos. Assim tem sido a toada nos últimos tempos, sem muito efeito. Assim continuará a ser até o próximo eclipse estar sobre nós. Não há génio. Nem com as ossadas de Cervantes.  


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