quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Do Brexit ao Amexit

O Brexit deveria ter servido de aviso. Contrariando todas as sondagens, o Não à Europa venceu. De forma sorrateira, o discurso populista, ferido de demagogia, espraiou-se pela população britânica como um cancro metastizado; não se fez sentir, não causou dor nem sofrimento. E como um cancro que faz chegar o seu toque negro aos recantos mais frágeis do corpo humano, o discurso populista promovido pelo pensamento extremista tomou conta das regiões menos favorecidas da ilha britânica, das franjas mais pobres e mais penalizadas pelo movimento globalizante que marcou a última metade do século XX e que caracteriza o arranque do século XXI. Nestes meios pequenos, isolados, regiões do interior onde outrora predominou indústria e agricultura, o sentimento antiglobalização adolesceu conforme o emprego se tornou mais tecnológico e se moveu para as regiões litorais e para as grandes metrópoles. Esta nova forma de emprego, associado ao internet of things, criou novas oportunidades e mudou radicalmente o mundo. Mas enquanto enaltecemos a mudança e nos entretivemos com todas as possibilidades que a internet nos proporcionou, enquanto nos abstraímos nos smartphones e na panóplia de redes sociais, as populações daquelas regiões, populações com menor grau de formação, rejeitaram amplamente a mudança. Enquanto louvámos as novas oportunidades tecnológicas, lamentaram a deslocação das indústrias e da agricultura para outras regiões do planeta, terras de mão-de-obra barata; lamentaram o desemprego que se originou e a perda do estilo de vida e do conforto financeiro que tinham.

                Ao mesmo tempo que estas mudanças aconteceram, o Reino Unido e os países da Europa abriram as suas fronteiras ao Mundo, à livre circulação de bens e de pessoas. E com isso assistiu-se a movimentos migratórios com foco nas grandes cidades europeias, com Londres à cabeça, acrescentando pressão sobre o frágil emprego nas franjas mais pobres e menos formadas. Quando, no Reino Unido, se chamou a população às urnas para dizer Sim ou Não à continuação do sonho europeu, o Não ganhou e deixou o Mundo de queixo caído, perplexo perante um resultado que contrariava todo o progresso atingido no último meio século. Como aconteceu isso? Com o grito de revolta das populações menos formadas contra a mudança que atribuíram à globalização, aos migrantes, ao novo mercado de trabalho, à multiculturalidade. Os resultados do Brexit mostraram a população profundamente dividida entre as gerações mais velhas e as gerações mais novas, os primeiros incontestavelmente a favor do Não e os segundos do Sim. Para os mais novos, que se sentem cidadãos da Europa e do Mundo, que ignoram fronteiras físicas, que rejeitam o racismo e o xenofobismo, que são tolerantes e condescendentes, ficou a ideia amarga de que o seu futuro foi hipotecado por aqueles que dele não farão parte.

Da mesma forma sorrateira que o Brexit prevaleceu, Donald Trump venceu as eleições norte-americanas. Usou e abusou do discurso populista, dividiu a América, incitou o ódio, insultou, mentiu, acusou, protestou, resmungou. Muito fez e disse para assustar os eleitores e deixar o Mundo inquietado. Mas para aquelas populações que, como no Reino Unido, perderam ao longo dos anos o emprego estável, que perderam o estilo de vida e o conforto financeiro, para aquelas populações esmagadoramente brancas que viram o deslocamento das grandes indústrias para a China e para o México, a escolha foi sempre simples. E Donald Trump, compreendendo o que funcionou no Brexit e a revolta que também havia no seio da América, prometeu fazer o país novamente grande, fazer regressar as indústrias, fechar fronteiras e bloquear a globalização. Donald Trump prometeu trazer o el-dourado dos anos sessenta e cinquenta. Prometeu à América branca o triunfo sobre as cada vez mais maioritárias minorias, sobre os migrantes, sobre o islamismo e a tolerância. A América interior sonhava regressar ao auge antigo, e Donald Trump abanou-lhes à frente a miragem da velha grandiosidade. Perante tal promessa nunca importou o seu discurso divisivo. Para os seus apoiantes, tudo o que dizia e insinuava não poderia passar de um estilo de retórica, de uma forma demarcada de se insurgir contra o establishment, o tal que abriu as portas à globalização, como no Reino Unido, e que deslocou os bons empregos para o outro lado do Mundo. Donald Trump disse as palavras certas aos eleitores certos nos sítios certos, e por isso venceu, por mais radical e aterrorizadora que a sua mensagem tenho sido durante meses. Perante tanta polémica, nunca arredou pé da sua hedionda retórica porque sabia que resultaria, porque o Brexit lhe tinha mostrado que funcionaria, mesmo se a esmagadora maioria das sondagens indicasse o contrário. Porque o Brexit lhe tinha mostrado que, após uma época de abertura, o Mundo voltara-se novamente para o populismo, para o demagogismo e para o despotismo, e que a oportunidade era dele.



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