Quantos mais
dias decorrem desde que o governo de PSD/CDS abandonou o Palácio de São Bento,
mais fica a opinião pública esclarecida e convencida que a empolada e
galvanizada saída de Portugal do Programa de Assistência Económica e Financeira
foi tudo menos limpinha, limpinha, limpinha. A venda do Banif ao grupo
Santander por uns míseros 150 milhões de euros e a consequente revelação da admissão
da Comissária Europeia da Concorrência que a venda do Banif vinha a ser
sucessivamente adiada "para não colocar em causa a saída de Portugal do
Programa de Assistência Económica e Financeira" são a machadada final no
embelezamento por que Passos Coelho, Maria Luís Albuquerque e Paulo Portas
tanto batalharam. Na admissão da Comissária datada de Dezembro de 2014 ficou ainda
a saber-se que a Direção-Geral da Concorrência rejeitou oito planos de reestruturação
do Banif desde Dezembro de 2012, altura em que o banco fora recapitalizado pelo
Estado português, arrastando a morte lenta da instituição financeira madeirense
para o cenário comatoso que o Primeiro-Ministro ontem desligou por fim.
O alerta de
que o Governo português se arriscava a vender o Banif a preço de saldo já era
antigo. Com a entrada em vigor a 1 de Janeiro de 2016 de uma nova legislação europeia
sobre a liquidação e reestruturação de instituições bancárias que impõe o 'bail-in' – em que obrigacionistas
seniores e grandes depositantes (acima de 100 mil euros) são chamados a pagar
parte de uma eventual resolução – a urgência de uma resposta para o Banif era
conhecida há largos meses. Nada foi feito. A iminente entrada desta legislação
criou nas últimas semanas uma situação “contra-relógio” que podia e deveria ter
sido evitada. Imperiosamente. Com as eleições à porta, o anterior executivo elegeu
deixar a batata quente em banho-maria, temente que a perigosidade financeira e
o fim da ilusão de saída limpa do Programa de Assistência Económica e Financeira
prejudicasse as suas hipóteses no sufrágio. Agora, com pouco mais do que 3
semanas para se inteirar da situação do Banif e tomar uma decisão, o executivo
liderado por António Costa optou pela única óbvia saída à sua frente.
A decisão do
Governo acarreta um custo muito elevado para os contribuintes. O próprio
Primeiro-Ministro reconheceu. Inclui um apoio público estimado de 2,255 mil
milhões de euros para cobrir contingências futuras (489 milhões de euros pelo
Fundo de Resolução e 1,766 mil milhões de euros directamente pelo Estado). Em
contrapartida, o Banco Santander Totta entrega 150 milhões de euros ao Estado
português e fica com a generalidade da actividade do Banif, passando os
clientes e as agências do banco madeirense a serem clientes e agências do Banco
Santander Totta. O negócio inclui ainda a transferência de activos problemáticos
para um veículo de gestão de activos, sendo que no Banif, de ora em diante “banco
mau”, permanecerão um conjunto muito restrito de activos (para futura liquidação)
e as posições accionistas, dos créditos subordinados e de partes relacionadas. À
cabeça, a decisão do Governo implica desde já um orçamento rectificativo e a
revisão em alta do défice de 2015 para 4% (contra o défice de 2,7% que o executivo
anterior bradava).
O desconforto
de António Costa com a decisão de venda da participação do Estado foi evidente
na sua declaração ao país. Apenas dois dias antes seis candidatos apresentavam
propostas de compra (os espanhóis Santander e Popular, o norte americano Apollo
Managment, o fundo norte-americano J.C. Flower e ainda um fundo sino americano
ligado ao Haitong Bank que comprou o BESI há um ano). Perante a noticiada urgência
para vender do Governo português, os seis candidatos propuseram módicos valores
para a aquisição do banco (enquanto certamente esfregavam as mãos de regozijo ante
tão grande pechincha). Afinal, não é todos os dias que um banco com depósitos
na ordem dos 6,1 mil milhões de euros no fim de Setembro está a preço de saldo.
Não obstante os exíguos valores em cima da mesa, a decisão teve que ser prontamente
tomada. António Costa afirmou ser a solução "que melhor protege a
estabilidade do sistema financeiro português", mas nem o primeiro-ministro
pareceu muito convencido disso. Talvez a solução pudesse ter passado por uma
integração dos activos bons do Banif na Caixa Geral de Depósitos, onde se
manteriam sob o controlo público. O dinheiro a injectar manter-se-ia sob
controlo da esfera pública. Todavia, pressionado por prazos cada vez mais
curtos, António Costa não teve espaço para ponderar outra solução que não a
venda rápida do Banif, a única que no imediato protegia depositantes e
trabalhadores, embora seja provável que no futuro estes últimos vejam os seus
contratos em risco com a inevitável duplicação de estrutura.
A propositada indefinição
do anterior executivo para manter a forçada e espalhafatosa maquilhagem de saída
limpa do Programa de Assistência Económica e Financeira, ignorando sucessivos
avisos da Comissão Europeia e rejeitando liminarmente várias propostas de
reestruturação do Banif, não pode agora passar incólume. É um sério caso de
gestão danosa, com claro dolo para o contribuinte português. Já estão
prometidas comissões de inquérito parlamentares, mas não podem novamente ficar
apenas pelo disse e diz que disse. Não podem novamente terminar na prorrogação
da impunidade e do ciclo vicioso financeiro. Já vimos todos uma semelhante história
com o Banco Espírito Santo. Já vimos como o homem responsável pelo seu desfecho
permanece incólume, apenas reduzido da sua posição de “dono disto tudo” para dono
de uma grande fortuna alimentada por negócios obscuros. Não pode repetir-se,
nem podem aqueles que adiaram uma situação grave para benefício eleitoral ficar
eternamente sob o sigilo da sua imunidade parlamentar. Assim como onde há fumo
há fogo, onde há culpa tem que haver culpados. E nenhum está propriamente
escondido.