domingo, 27 de setembro de 2015

A pílula do dia seguinte da direita e o preservativo da esquerda

Quando o défice público está em cima da mesa há quem opte pela pílula do dia seguinte e quem opte pelo preservativo. A manutenção de um défice em função do Produto Interno Bruto, vulgo PIB, próximo de zero indicia saúde financeira e uma dívida pública controlada. A escolha entre a pílula do dia seguinte e o preservativo é fundamentada no cálculo entre a variação da dívida do Estado (a diferença entre a despesa pública e a receita pública), a variação do valor dos activos do Estado (a diferença entre as compras e as vendas de bens e empresas públicas) e a variação da moeda. No caso português, e porque Portugal pertence à moeda única e não tem uma política monetária própria, a variação da moeda é automaticamente nula. Uma dor de cabeça a menos para uns, uma ferramenta a menos na escolha do método contraceptivo para outros. A redução do défice pode ser então somente alcançada através da redução da despesa pública, do aumento da receita pública (comummente através da receita fiscal), da redução de aquisições e da venda de activos do Estado. Ano após ano, o cálculo do défice é previsto, medido e revisto. Ainda esta semana o Instituto Nacional de Estatística (INE) reviu o défice de 2014 para 7,2% fracassada a venda do Novo Banco. A revisão do INE tem uma leitura imediata: a política fiscal sob a bandeira da austeridade não só não tem sido suficiente para reduzir o défice público como a conclusão do Executivo liderado por Pedro Passos Coelho, mesmo após a alienação da TAP e de outros activos do Estado, ficou refém da venda de um meio-Banco sobre o qual há pouco mais de dois anos não tinha qualquer controlo (tão grande era considerada e promovida a saúde financeira do BES).

Não há todos os anos meios-bancos nem companhias aéreas para vender, pelo que a melhor contracepção está na gestão da despesa pública e da receita pública. À primeira vista, a fórmula é simples: reduzir os gastos públicos e aumentar a receita. Esta tem sido a linha do actual Executivo desde o primeiro dia, cortando pensões, reduzindo os números da função pública e aumentando impostos sobre o rendimento e sobre o consumo. Quatro anos volvidos, com a revisão do défice de 2014 para 7,2% (apenas 2 décimas abaixo do valor registado em 2011 pelo anterior Executivo) e com a previsão para 2015 de 2,7% a precisar de um inopinado milagre para se concretizar (a execução no primeiro semestre fixou-se nos 4,7%), a fórmula falhou. Mas porquê? Se se reduziu a despesa pública e se se aumentou consideravelmente a receita fiscal (só no primeiro semestre de 2015 houve um aumento de 5,5% face ao mesmo período homólogo), como é que o défice continua ainda tão longe das metas traçadas pelo Governo, próximo dos valores com que a legislatura arrancou? Como é que o contraceptivo da austeridade falhou, quando era efusivamente propagandeado que tinha tudo para funcionar?

O valor do défice está por natureza subordinado a um elemento denominador, o PIB, pelo que qualquer redução na expressão em moeda do défice é absorvida pela redução na expressão em moeda do PIB se proporcionalmente igual ou inferior. Na óptica da despesa, o PIB é obtido em função do consumo privado, do consumo público, do investimento e da diferença entre o valor das exportações e o valor das importações. É aqui que a história começa a ficar complicada e se se escaramuça entre a pílula do dia seguinte e o preservativo. Um aumento da receita fiscal para reduzir o défice resulta num menor rendimento disponível das famílias, provocando menor consumo privado e menor valor de investimento, porquanto o valor disponível nos Bancos para créditos às empresas é menor por via da menor capacidade para a poupança das famílias. Por outro lado, a política de austeridade significa ainda que o consumo público é também menor. Desta forma, não obstante a redução na expressão em moeda do défice (mais receita fiscal), a redução na expressão em moeda do PIB (menor consumo público e privado) atenua qualquer efeito de decrescimento do défice dado em sua função. Do primeiro trimestre de 2007 aos primeiros três meses de 2015 – ou seja, em oito anos – o PIB per capita de Portugal caiu 4,4% enquanto o rendimento disponível das famílias per capita desceu 5,5%. É uma bola de neve que não tem fim. Aumenta-se impostos, reduz-se o rendimento das famílias e reduz-se o seu consumo e a sua poupança. Menor poupança e menor poder de compra redunda em menor investimento e capacidade produtiva nas empresas que assim reduzem vencimentos e fazem despedimentos. Menor emprego significa pressão adicional sobre a já aflita Segurança Social. A bola de neve continua colina abaixo e a solução de austeridade que produziu resultados rápidos causa empobrecimento generalizado no médio prazo. O que tem salvado o PIB de uma hecatombe tem sido o volume de exportações das empresas portuguesas que, com a faca da insolvência encostada à goela, foram capazes de, sozinhas, se inovar e transformar para responder aos inúmeros obstáculos.


A alternativa à política contraccionista de austeridade é a política expansionista de promoção do consumo. Uma é promovida pela direita, outra é promovida pela esquerda. No programa político do Partido Socialista, António Costa propõe aumentar o rendimento das famílias como forma de estimular a economia portuguesa. A ideia é que mesmo que o défice expresso em moeda aumente com a menor captação de receita fiscal e com a maior despesa pública (menos impostos e mais subsídios e pensões), o aumento do poder de compra e da poupança reverterá num PIB superior e um défice em sua função menor desde que a evolução positiva do PIB seja sempre superior à evolução negativa do défice. A dificuldade de uma política expansionista como esta é que os seus efeitos não são imediatos. Enquanto a política de austeridade colhe resultados no espaço de um ano, a política de promoção do consumo demora tempo a desenvolver-se e amadurecer-se. Não obstante, e embora os números da execução orçamental fiquem no vermelho durante algum tempo, o rendimento das famílias é imediatamente superior, havendo lugar a mais possibilidades, a menor pobreza e a maior qualidade de vida. A política de austeridade é a pílula do dia seguinte tomada de emergência para resolver o défice, enquanto a política de consumo é o preservativo que, com o tempo, previne. Daqui a uma semana é esta escolha que está em cima da mesa. À esquerda o preservativo e à direita a pílula do dia seguinte. O maior receio é que se o método contraceptivo não for desta vez bem escolhido, PàF… faz-se Chocapic.


sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Caros refugiados,

Por favor, já chega. Basta! Parem de bater às nossas costas e às nossas fronteiras de forma atabalhoada. Temos consciência da dimensão do vosso problema e estamos a resolvê-lo com a melhor velocidade e com completo empenho. Os nossos líderes vão reunir-se já no próximo dia 14 de Setembro para encontrar soluções para o vosso flagelo. Não falta muito. Não desesperem. Há tempo. Confiem, a Europa permanece fiel aos princípios da sua edificação e ao seu código de moral. Considerem, por exemplo, a resolução do conflito ucraniano e a da crise da dívida grega. Quando um ameaçava a duradoura estabilidade e quando outro começava a contaminar economias, actuou-se rapidamente e deu-se fim ao problema. Agora está tudo bem. A evidência dessa actuação é que já pouco ou nada se tem ouvido sobre esses temas. Só pode ser porque ficaram resolvidos e bem resolvidos.

Soluções de circunstância que meramente cortam folhas podres e falham cortar o mal pela raiz não são adágio da comum solução europeia. A Europa digere qualquer desafio até ao tutano, até não haver mais nenhum tema debaixo de nenhuma pedra. Confiem que mal os líderes europeus arregacem as mangas burocráticas e metam mãos à obra não haverá mais qualquer naufrágio no Mediterrâneo, não haverá mais qualquer corpo a dar às belas praias da costa sul, de velhos e de novos, de mães e de filhos. Confiem e tomem as vias legais e esqueçam os comboios em Budapeste e no Canal da Mancha e os barcos nas ilhas gregas. Ignorem aqueles muros ali construídos. Não há bloqueios e queremos-vos cá. Começámos por querer a vossa Primavera Árabe. Mesmo que à distância e unicamente com palavras de incentivo, ajudámos-vos a depor ditadores e opressores e a reconstruir as vossas sociedades. Dir-me-ão agora que o Estado Islâmico tomou conta dos vossos territórios, das vossas vilas, das vossas casas, que tem vindo a aterrorizar e ameaçar-vos com armas, facas, fogo e propaganda. Dir-me-ão que nada fizermos e que por isso fogem para cá. Compreendemos. Venham todos. A seu tempo daremos resposta ao Daesh. Não há pressa. Ainda não estão à nossa porta como vocês.

A Europa está de braços abertos para receber-vos. Passem só por cima daquele muro ou por baixo daquele arame farpado que serve para manter afastados animais selvagens. Há bens e comida em abundância para todos. Entrem sempre. Mas não venham para Portugal. Aqui há excesso de população e temos pouco espaço para nós. Não precisamos de mais população activa para equilibrar as contas da nossa Segurança Social, que tem estado de saúde. Admito que há algum espaço no interior do país, em vilas e aldeias em vales nas montanhas. Mas não vão para lá. A população idosa que lá habita prefere continuar sozinha, no seu silêncio, na morosidade da sua rotina, no seu predilecto abandono. As terras são difíceis de revitalizar. Passem sempre a direito da Grécia para a Macedónia para a Europa Central, da Hungria para a Áustria, para a Alemanha e para a França, e de lá para Inglaterra, onde já não podem estragar as férias aos britânicos.


Mas, por favor, já chega. Basta! Parem de bater às nossas costas e às nossas fronteiras de forma atabalhoada. Perturba-nos consideravelmente os relatos das vossas travessias. É que é mesmo aqui à porta de casa e a vizinhança começa a comentar. Agora que já são refugiados e que já não são migrantes, tenham bom senso. Já não vos assumimos como meros transeuntes, que não são de lado nenhum e que não vão para lado nenhum. Confiem que continuaremos a aplicar a Terceira Lei de Newton invertida. Já reagimos ao vosso problema e agora agiremos em conformidade.