Quando o
défice público está em cima da mesa há quem opte pela pílula do dia seguinte e
quem opte pelo preservativo. A manutenção de um défice em função do Produto
Interno Bruto, vulgo PIB, próximo de zero indicia saúde financeira e uma dívida
pública controlada. A escolha entre a pílula do dia seguinte e o preservativo é
fundamentada no cálculo entre a variação da dívida do Estado (a diferença entre
a despesa pública e a receita pública), a variação do valor dos activos do
Estado (a diferença entre as compras e as vendas de bens e empresas públicas) e
a variação da moeda. No caso português, e porque Portugal pertence à moeda
única e não tem uma política monetária própria, a variação da moeda é automaticamente
nula. Uma dor de cabeça a menos para uns, uma ferramenta a menos na escolha do
método contraceptivo para outros. A redução do défice pode ser então somente alcançada
através da redução da despesa pública, do aumento da receita pública (comummente
através da receita fiscal), da redução de aquisições e da venda de activos do
Estado. Ano após ano, o cálculo do défice é previsto, medido e revisto. Ainda esta
semana o Instituto Nacional de Estatística (INE) reviu o défice de 2014 para
7,2% fracassada a venda do Novo Banco. A revisão do INE tem uma leitura
imediata: a política fiscal sob a bandeira da austeridade não só não tem sido
suficiente para reduzir o défice público como a conclusão do Executivo liderado
por Pedro Passos Coelho, mesmo após a alienação da TAP e de outros activos do
Estado, ficou refém da venda de um meio-Banco sobre o qual há pouco mais de
dois anos não tinha qualquer controlo (tão grande era considerada e promovida a
saúde financeira do BES).
Não há todos
os anos meios-bancos nem companhias aéreas para vender, pelo que a melhor contracepção
está na gestão da despesa pública e da receita pública. À primeira vista, a fórmula
é simples: reduzir os gastos públicos e aumentar a receita. Esta tem sido a linha
do actual Executivo desde o primeiro dia, cortando pensões, reduzindo os
números da função pública e aumentando impostos sobre o rendimento e sobre o
consumo. Quatro anos volvidos, com a revisão do défice de 2014 para 7,2% (apenas
2 décimas abaixo do valor registado em 2011 pelo anterior Executivo) e com a
previsão para 2015 de 2,7% a precisar de um inopinado milagre para se
concretizar (a execução no primeiro semestre fixou-se nos 4,7%), a fórmula falhou.
Mas porquê? Se se reduziu a despesa pública e se se aumentou consideravelmente
a receita fiscal (só no primeiro semestre de 2015 houve um aumento de 5,5% face
ao mesmo período homólogo), como é que o défice continua ainda tão longe das
metas traçadas pelo Governo, próximo dos valores com que a legislatura
arrancou? Como é que o contraceptivo da austeridade falhou, quando era
efusivamente propagandeado que tinha tudo para funcionar?
O valor do
défice está por natureza subordinado a um elemento denominador, o PIB, pelo que
qualquer redução na expressão em moeda do défice é absorvida pela redução na
expressão em moeda do PIB se proporcionalmente igual ou inferior. Na óptica da
despesa, o PIB é obtido em função do consumo privado, do consumo público, do
investimento e da diferença entre o valor das exportações e o valor das importações.
É aqui que a história começa a ficar complicada e se se escaramuça entre a
pílula do dia seguinte e o preservativo. Um aumento da receita fiscal para
reduzir o défice resulta num menor rendimento disponível das famílias, provocando
menor consumo privado e menor valor de investimento, porquanto o valor
disponível nos Bancos para créditos às empresas é menor por via da menor capacidade
para a poupança das famílias. Por outro lado, a política de austeridade
significa ainda que o consumo público é também menor. Desta forma, não obstante
a redução na expressão em moeda do défice (mais receita fiscal), a redução na
expressão em moeda do PIB (menor consumo público e privado) atenua qualquer
efeito de decrescimento do défice dado em sua função. Do primeiro trimestre de
2007 aos primeiros três meses de 2015 – ou seja, em oito anos – o PIB per capita de Portugal caiu 4,4%
enquanto o rendimento disponível das famílias per capita desceu 5,5%. É uma bola de neve que não tem fim.
Aumenta-se impostos, reduz-se o rendimento das famílias e reduz-se o seu
consumo e a sua poupança. Menor poupança e menor poder de compra redunda em
menor investimento e capacidade produtiva nas empresas que assim reduzem
vencimentos e fazem despedimentos. Menor emprego significa pressão adicional sobre
a já aflita Segurança Social. A bola de neve continua colina abaixo e a solução
de austeridade que produziu resultados rápidos causa empobrecimento
generalizado no médio prazo. O que tem salvado o PIB de uma hecatombe tem sido
o volume de exportações das empresas portuguesas que, com a faca da insolvência
encostada à goela, foram capazes de, sozinhas, se inovar e transformar para
responder aos inúmeros obstáculos.
A alternativa
à política contraccionista de austeridade é a política expansionista de
promoção do consumo. Uma é promovida pela direita, outra é promovida pela
esquerda. No programa político do Partido Socialista, António Costa propõe
aumentar o rendimento das famílias como forma de estimular a economia
portuguesa. A ideia é que mesmo que o défice expresso em moeda aumente com a
menor captação de receita fiscal e com a maior despesa pública (menos impostos
e mais subsídios e pensões), o aumento do poder de compra e da poupança
reverterá num PIB superior e um défice em sua função menor desde que a evolução
positiva do PIB seja sempre superior à evolução negativa do défice. A
dificuldade de uma política expansionista como esta é que os seus efeitos não
são imediatos. Enquanto a política de austeridade colhe resultados no espaço de
um ano, a política de promoção do consumo demora tempo a desenvolver-se e
amadurecer-se. Não obstante, e embora os números da execução orçamental fiquem
no vermelho durante algum tempo, o rendimento das famílias é imediatamente
superior, havendo lugar a mais possibilidades, a menor pobreza e a maior
qualidade de vida. A política de austeridade é a pílula do dia seguinte tomada
de emergência para resolver o défice, enquanto a política de consumo é o
preservativo que, com o tempo, previne. Daqui a uma semana é esta escolha que
está em cima da mesa. À esquerda o preservativo e à direita a pílula do dia
seguinte. O maior receio é que se o método contraceptivo não for desta vez bem
escolhido, PàF… faz-se Chocapic.